Lula promove o Renascimento brasileiro

Participação fulgurante do presidente eleito na Cop27 deixa claro que as chamas de esperança pela restauração do protagonismo do Brasil no mundo logo arquivarão as trevas do trágico período Bolsonaro

Por Luís Costa Pinto

No início da tarde desta última quarta-feira, 16 de março, menos de uma hora depois de encerrar o breve e assertivo discurso proferido na Cop27 em Sharm el-Sheik, no Egito, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva estava definitivamente convertido em personagem global.

“O mundo sente saudade do Brasil. Quero dizer que o Brasil está de volta” disse ele no início do pronunciamento de 2.238 palavras muito bem posicionadas em 90 breves parágrafos. E seguiu: “Está de volta para reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome no mundo. Para cooperar outra vez com os países mais pobres, sobretudo da África, com investimentos e transferência de tecnologia”, prosseguiu ele, numa fala entrecortada por aplausos e tentativas de puxadas de refrãos da campanha eleitoral. Foi além: “Para estreitar novamente relações com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, e construir junto com eles um futuro melhor para nossos povos. Para lutar por um comércio justo entre as nações, e pela paz entre os povos”. Concluindo aquela parte do raciocínio, o homem que ocupa o vácuo de poder deixado pelo adversário Jair Bolsonaro, derrotado, recluso e depressivo no Palácio da Alvorada desde a proclamação oficial no resultado das urnas ainda na noite da eleição de 30 de outubro, Lula definiu sua missão como globe-trotter. “Voltamos para ajudar a construir uma ordem mundial pacífica, assentada no diálogo, no multilateralismo e na multipolaridade”.

As redes sociais logo se encheram de elogios à objetividade e ao pragmatismo das proposições do líder brasileiro. Em seguida, as páginas dos mais relevantes veículos de comunicação de todo o mundo deram o tom da repercussão.

“O Brasil está de volta. Na Cop27, Lula se compromete a ser liderança climática global”, escreveu o Washington Post. “As expectativas foram ampliadas com a exuberante fala de Lula na Conferência do Clima”, postou em manchete o site do The New York Times. “Cop27: Lula faz apelo para a criação urgente de um fundo destinado a cobrir os desgastes climáticos”, registrou o francês Le Monde também em manchete no seu portal. “Lula quer uma Cúpula do clima na Amazônia em 2025”, disse a revista alemã Der Spiegel. E, no portal do argentino La Nación, “Lula foi ovacionado na Cop27 e pediu que haja uma futura Cúpula climática na Amazônia”.

Nos maiores portais da mídia tradicional brasileira, o forte e contemporâneo discurso do ex (e também futuro) presidente do País arquivou a polêmica em torno da forma como Lula se materializou em terras egípcias – nas asas de uma carona aérea à guisa de um governo ainda minimamente operante, mesmo em desfazimento, que concedesse estrutura de deslocamentos internacionais ao sucessor de um pérfido Bolsonaro.

Na mídia digital, menos propensa a udenismos bissextos, a exaltação do regresso do Brasil à ribalta internacional como um dos dínamos das agendas globais para o meio ambiente, clima, energias renováveis, redução de desigualdades, combate à fome e distribuição de renda foi ponto unânime e pacífico.

Do Egito, portanto, saudado por ele no prólogo do discurso como berço de uma das mais complexas civilizações da História da humanidade, Luiz Inácio Lula da Silva marcou sua reestreia na ribalta da condução política do Brasil e como um dos protagonistas da pauta internacional. “That’s the guy”, diria Barack Obama. “Esse é o cara”, brincou em abril de 2009, como a fazer troça, o então presidente americano do àquela época ainda presidente brasileiro (em seu segundo mandato). Estava com as mãos postas sobre os ombros de Lula e o apontava para o secretário do Tesouro dos EUA Thimothy Geithner, e para o então primeiro-ministro da Austrália Kevin Rudd. “Eu adoro esse cara. É o político mais popular do mundo”, completou Obama.

Na Cop27, discursando em espaço da Organização das Nações Unidas destinado a chefes de Estado (o que, tecnicamente, ele ainda não é – só toma posse formal do cargo para o qual foi eleito em 1º de janeiro de 2023), Luiz Inácio Lula da Silva criou versões públicas para as motivações que o teriam feito disputar a presidência do País pela sexta vez e vencer a terceira eleição presidencial.

“Estou hoje aqui para dizer que o Brasil está pronto para se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável. De um mundo mais justo, capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes – e não apenas uma minoria privilegiada”, disse. E prosseguiu: “O Brasil já mostrou ao mundo o caminho para derrotar o desmatamento e o aquecimento global. Entre 2004 e 2012, reduzimos a taxa de devastação da Amazônia em 83%, enquanto o PIB agropecuário cresceu 75%. Infelizmente, desde 2019, o Brasil enfrenta um governo desastroso em todos os sentidos – no combate ao desemprego e às desigualdades, na luta contra a pobreza e a fome, no descaso com uma pandemia que matou 700 mil brasileiros, no desrespeito aos direitos humanos, na sua política externa que isolou o país do resto do mundo, e também na devastação do meio ambiente. Não por acaso, a frase que mais tenho ouvido dos líderes de diferentes países é a seguinte: O mundo sente saudade do Brasil. Quero dizer que o Brasil está de volta. Está de volta para reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome no mundo. Para cooperar outra vez com os países mais pobres, sobretudo da África, com investimentos e transferência de tecnologia. Para estreitar novamente relações com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, e construir junto com eles um futuro melhor para nossos povos. Para lutar por um comércio justo entre as nações, e pela paz entre os povos. Voltamos para ajudar a construir uma ordem mundial pacífica, assentada no diálogo, no multilateralismo e na multipolaridade. Voltamos para propor uma nova governança global. O mundo de hoje não é o mesmo de 1945. É preciso incluir mais países no Conselho de Segurança da ONU e acabar com o privilégio do veto, hoje restrito a alguns poucos, para a efetiva promoção do equilíbrio e da paz”.

A naturalidade com que Lula brilhou na cena internacional a partir do balneário faraônico egípcio não ofuscou nada em Brasília – até porque não há governo na capital brasileira.

Padecendo de feridas purulentas de erisipela, fechado nos cômodos do Alvorada, Jair Bolsonaro tenta resolver diversas equações pessoais certamente complexas para alguém que há 35 anos não trabalha efetivamente em nada: sem mandato, com perfil de quem gasta sempre mais do que ganha, como equilibrar o orçamento doméstico para fazê-lo caber em suas aposentadorias sem o concurso de ‘rachadinhas’? E Michelle, segue casada com ele ou dará curso à perspectiva que traçou para si, a de virar liderança evangélica e, quiçá, política, no Distrito Federal? Há como escapar das mais de quatro dezenas de processos judiciais – muitos deles criminais – que tramitaram contra ele na Justiça? E os filhos, repletos de acusações diversas em passeios pelo Código Penal, escapam da cadeia?

O único sopro de governo na capital a República é a presença energicamente compassada e estudadamente monocórdia do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, parceiro desde já memorável encontrado por Lula nas esquinas improváveis da vida e da política. A tocar a transição com seu jeitão de professor, desenferrujando a habilidade de negociador parlamentar que construiu nos mandatos de deputado federal exercidos nos anos 1990, Alckmin deixa claro para o presidente eleito que um porto seguro nas águas calmas do Lago Paranoá: a partir dele o petista terá sempre as melhores provisões para seguir viagem no transatlântico do qual projeta as ambições intercontinentais de um Brasil que voltou à cena em grande estilo. Em Portugal, onde fará escala de dois dias antes de retornar ao País, o presidente eleito fará acenos efetivos à comunidade de Nações lusófonas. A antiga Corte será palco de novos lances desse protagonista inebriado de si mesmo – e pode fazê-lo como ninguém: não há à disposição dos roteiristas das histórias improváveis nenhuma trajetória biográfica tão inebriante e sensacional como a de Lula, o operário que tem duas mãos e o sentimento de um mundo que parece conduzir tenazmente com leveza e sagacidade.

LUÍS COSTA PINTO

LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 52. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem dois volumes lançados e o volume 3 está em fase de edição.

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