“Expectativa de vitória” às vésperas de 2 de outubro mudará o resultado das urnas. E a História do Brasil

Raramente são as ideias que mobilizam a parcela de eleitores indecisos ou pragmáticos na reta final de uma eleição. No sprint final de campanhas tão aguerridas, ideologizadas e apertadas como será o pleito presidencial brasileiro deste ano, é a projeção de poder e a manutenção do “status quo” pessoal que importa – e isso pode ser perigosamente arriscado para o ex-presidente Lula.

Até aqui, a campanha presidencial de 2022 tem sido marcada pelo passado. O ex-presidente Lula (PT) luta por reacender na memória dos brasileiros o misto de bonança e de esperança que o País viveu entre 2003 e 2012, período em que governou e início do 1º mandato de Dilma Rousseff, sucessor que elegeu, quando o Brasil era (sem sombra de dúvidas) “o melhor lugar para se estar no mundo”. Éramos uma Nação inclusiva aonde se distribuía renda e se apostava na mobilidade social. A descoberta das jazidas do pré-sal mudaram o patamar da Petrobras e do setor de óleo e gás. A economia crescia e o desemprego e a inflação não eram sombras a assustar a sociedade.

Tentando a reeleição, Jair Bolsonaro busca reacender os medos, as inseguranças e os recalques que conseguiu despertar em parcela considerável dos eleitores na campanha de 2018, marcada por ilegalidades, boçalidades e mentiras disseminadas em escala industrial a partir de uma rede profissional integrada por robôs telemáticos que seguiam comandos de empresários ligados a Bolsonaro e ao clã bolsonarista.

Entre um e outro, aferrados ao chão e pesados demais para decolar, espremem-se os integrantes do pelotão “nem-nem-nem” – nem Bolsonaro, nem Lula, nem têm votos: Ciro Gomes, João Doria, Simone Tebet (Sérgio Moro correu da parada, por um lado, e foi corrido dela, por outro, em razão de não ser aceito pelo trade político. Eduardo Leite, ex-governador do Rio Grande do Sul, não entra nessa contabilidade porque foi derrotado nas prévias do PSDB, partido ao qual está filiado, e alguém que tenta se vender como “novo” não tem o direito de ignorar as regras do jogo e a lealdade a elas – nada mais “velho” e old school do que isso).

A tróica de “nem-nem-nem”, por sua vez, faz a pré-campanha baseada no período de 2014 a 2016, quando o Brasil foi incendiado pela Operação Lava Jato e as regras constitucionais foram incineradas na esteira do processo de impeachment sem crime de responsabilidade que parecia (para alguns) um atalho à devolução do poder ao grupo político que governou o País na longa transição pós-ditadura com José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Esqueceram, porém, que Democracia não aceita atalhos (ou deliberadamente não quiseram lembrar desta regra básica da convivência democrática) e que foram derrotados em quatro eleições sucessivas – 2002 a 2014. Sem clemência da História e da dinâmica dos fatos para com eles, imaginaram usar Jair Bolsonaro em 2018 como barriga de aluguel para a volta ao poder e criam serem capazes de tutelá-lo. Agora, açulam de novo o lavajatismo – dessa vez, sem parcimônia de empresários e investidores, pois a Lava Jato destruiu cadeias produtivas inteiras da economia nacional – para tentar voltar ao jogo. Não voltarão: a dinâmica política de 2022 nos põe no início de uma campanha presidencial que será decidida em um turno apenas, a 2 de outubro. Qual será o vitorioso, se Lula ou Bolsonaro, impossível determinar agora – ou no curso dos próximos cinco meses e meio.

Como foi dito (e escrito) aqui na 6ª feira passada, a saída de cena do ex-juiz e ex-ministro bolsonarista Sérgio Moro do rol de nomes presidenciáveis tendia a dar um chute de alavanca nos índices de intenções de voto de Jair Bolsonaro. Foi o que ocorreu, já, na pesquisa da empresa Quaest feita com entrevistas presenciais (face a face) para o banco Genial e divulgada no curso desta semana. Sem Moro, Lula subiu um ponto (na margem de erro) e Bolsonaro, cinco pontos (já fora da margem, crescimento real). Pesquisa telefônica realizada pelo Ipespe para o banco XP mostrou algo semelhante. Nos próximos dias virão novas pesquisas – entre elas, PoderData, que tem periodicidade quinzenal e concede um painel mais amplo para análise – e a redução da contenda a dois antagonistas reais se firmará: a disputa é entre Lula e Bolsonaro, sem margem para outros nomes.

A senadora Simone Tebet (MDB) é a única possibilidade realmente competitiva no campo do “nem-nem-nem”. Entretanto, é o nome politicamente mais frágil para executar a composição uma vez que o MDB, sigla à qual pertence, está rachado entre o apoio a ela ou a isenção com viés de Lula (que é a preferência dos antigos caciques da legenda). O fôlego que Bolsonaro ganhou com a corrida de Moro do jogo presidencial e a paulatina melhora na avaliação do governo dele pelos eleitores brasileiros se constitui, agora e daqui para a frente, no maior risco à vitória do ex-presidente Lula porque o atual presidente, candidato incumbente, tem a caneta nas mãos, o beneplácito do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União com o cometimento de atos de irresponsabilidade fiscal e de crimes eleitorais a favor dele e pode chegar às duas semanas anteriores ao 1º turno projetando expectativa real de poder. No caso, expectativa real e conservação de poder – isso é muito forte nas retas finais, sobretudo porque se tratará de uma eleição casada com pleitos para governadores e para deputados e senadores.

A “expectativa de poder”, portanto, é o verdadeiro motor da mudança histórica que se dará no Brasil neste Ano da Graça (ou da desgraça, se os trilhos da campanha não fizerem descarrilar a locomotiva governista) de 2022. Por um ano, desde que recuperou seus direitos políticos cassados no curso de um processo jurídico eivado e vícios, ilegalidades e ilegitimidades comandado por Sérgio Moro e pelos procuradores da Lava Jato em Curitiba (PR), o ex-presidente Lula era favoritíssimo à vitória em 1º turno (para a qual corria sozinho) porque suplantara a barreira dos 40% de eleitores que dizem que vão votar nele (mais de 75% dos pretensos eleitores de Lula dizem que não mudarão de voto) e porque as desordens e as destruições promovidas por Bolsonaro no curso de seu trágico mandato faziam a desaprovação a ele minar quaisquer chances de reeleição. Contudo, em que pese a inflação, a alta vertiginosa dos preços dos combustíveis, os índices resilientes de desemprego (quase o triplo do melhor momento dos governos do PT, em dezembro de 2012, quando se atingiu a marca recorde de apenas 4,7% de desemprego), a tensão social e religiosa (de costumes) provocada pelo bolsonarismo (profissionais no métier) e a falência da “3ª via” que, ao contrário de 2018, agora se envergonha de aderir ao campo da extrema-direita (vergonha, porém, não dura tantos meses e não resiste a uma expectativa de continuar sendo poder), devolveram a Jair Bolsonaro a condição de co-player nesta eleição. Ele não será coadjuvante, será co-player.

Foco e frieza são as ferramentas essenciais à oposição de esquerda e de centro-esquerda que se reúne em torno da chapa Lula-Alckmin. Não há margem para erro. O ex-presidente cometeu alguns erros de oportunidade ao fazer comentários, esta semana, em evento da Central Única dos Trabalhadores, perorando corretamente sobre o fato – inegável – de o aborto ser uma questão de saúde pública e sobre as técnicas de como se fazer pressão política aos parlamentares. As digressões de Lula estavam corretas, o momento de fazê-las foi inoportuno. Lula e Alckmin, o PT e a Federação partidária que lidera, o ex-governador e seu PSB, não podem correr o risco de chegar a 15 dias da eleição de outubro permitindo que Bolsonaro se projete como “poder em manutenção”. Lula e Alckmin têm de conservar como expectativa real de poder. Este será o combustível da campanha.

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LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 55. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem três volumes lançados. Haverá um 4º e último volume). Também são de sua autoria "O Vendedor de Futuros", um perfil biográfico do empresário Nilton Molina e "O Procurador", livro-reportagem que mergulha nos meandros do Ministério Público e nas ações da PGR durante o período de Jair Bolsonaro (2019-2022) na Presidência da República.

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