Sozinhos, Lula e o PT não terão força para preservar a Democracia. É preciso ampla aliança contra retrocessos

É hora de arquivar as mágoas e guardar as mesquinhezes para uma vez mais, salvar o País. Agora, com um petista no comando, porém, sem o PT como hegemônico na formação das chapas  

Por Luís Costa Pinto

Em 2026, espero ter de votar mais uma vez em Luiz Inácio Lula da Silva com fé e convicção de que os anos de 2027 a 2030 será a primeira quadra do resto de nossas vidas. Não quero, novamente, dar um voto agoniado com o propósito e a missão de salvar o País.

Desde a restauração democrática, as únicas vezes em que não votei em Lula ou no PT para a presidência da República foram o 1º turno de 1989 (fui de Mário Covas) e no 1º turno de 2014 (fui de Marina Silva porque iria de Eduardo Campos, convictamente). Em 2010, votei em Dilma Rousseff nos dois turnos; em 2018, em Fernando Haddad. No ano que vem, não poderemos seguir na dependência exclusiva da monumental biografia política de Lula para estarmos seguros de que o Brasil não cairá em aventuras extremistas e antidemocráticas.

O Partido dos Trabalhadores, única agremiação política digna dessa definição, resistiu ao desmonte do nosso sistema democrático promovido desde 2005 com afoiteza e método por “operadores do Direito”. A turma da “delenda, Democracia” estava aliada a cínicos agentes do mercado financeiro e a hipócritas consorciados em parcela da mídia. O PT foi vítima do processo, mas resistiu. Foi o único. Agora, precisa ter  grandeza para compreender que em 2026 talvez seja hora de dar um passo atrás na ocupação de espaços do Executivo para preservar os imensos avanços institucionais conquistados desde 1985, quando derrotamos a ditadura militar.

Em 2022, faltou coragem aos militares usurpadores e eles não assumiram plenamente o projeto de retrocesso. Daí, usaram a carcaça de Jair Bolsonaro para tentar se manter no poder. Só foram derrotados porque a alternativa na urna era a colossal dimensão política de Lula. Fosse outro, estaríamos hoje num atoleiro histórico e sangrento. Sabíamos todos, no campo democrático, que à vitória se sucederia uma duríssima tarefa de reconstrução institucional, de reequipamento do Estado com ferramentas básicas de gestão e de cauterização das más e toscas ideias que pululavam das mentes insanas que ocuparam o poder na trágica “Era Bolsonaro”.

O ex-presidente e seus militares covardes, com o auxílio canalha de civis apadrinhados pelo capital financeiro, ainda quebraram o Tesouro Nacional na vã tentativa de reeleger aquele projeto de hecatombe. Jair Bolsonaro esgarçou o caixa da União e quase vence o lado iluminado da Força tendo por aliado Arthur Lira, na Câmara dos Deputados, um Tribunal de Contas da União que se amoldou às circunstâncias e fez vistas grossas a inúmeras irregularidades cometidas naqueles tempos, a Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Federal de Medicina e outros órgãos da sociedade civil organizada que abdicaram de seus papéis de fiscalizadores e coatores do jogo democrático. Foi por pouco.

No exercício do poder, e em decorrência da entressafra pouco feliz de lideranças intermediárias, o PT tem dificultado as alavancagem e a viabilidade eleitoral do melhor nome que possui (excetuado o próprio Lula) para disputar o voto popular em 2026: Fernando Haddad. O presidente da República, por sua vez, está preso por tempo demais num Palácio do Planalto onde ecoam excessivamente os petardos dos anos de chumbo vividos na resistência, no período 2016/2022. O resultado disso é um governo de recuperação da máquina pública, com excelente desempenho macroeconômico – crescimento, geração de empregos, redução de déficit primário e inflação controlada, apesar de se encontrar em patamar mais elevado que o recomendável – todavia, disfuncional politicamente e sem um projeto majoritário que pareça homogêneo aos olhos do eleitor não-petista.

Lula assumiu o 3º mandato evitando dizer se disputaria a reeleição ou não, driblando armadilhas retóricas montadas em entrevistas. Fazia o certo. Mais correto ainda seria deixar claro que ele voltava à presidência para operar uma transição, depois de tirar o Brasil das páginas de uma tragédia que estava a ser escrita. As lideranças de média envergadura do PT precisam ampliar o diapasão das próprias metas, agarrar as oportunidades que o presidente lhes deu e tratar de abrir as velas dos projetos de poder. Se não cuidarem disso rapidamente, os índices de avaliação da administração ficarão onde estão, a imagem pessoal de Lula seguirá registrando dificuldade para se levantar do patamar atual, o pior de toda a sua rica trajetória, e a manutenção do governo nas mãos de um grupo que tem responsabilidade social e valores democráticos estará sob risco permanente até a contabilização do último voto em outubro do ano que vem.

O maior legado de Luiz Inácio Lula da Silva em 1º de janeiro de 2027 será conservar a faixa presidencial para passá-la a um sucessor ou sucessora para quem a Democracia seja valor caro; para alguém que preze a história de reconstrução de nossas instituições depois de vencida a ditadura; para uma personagem forjada nas lutas destinadas a fazer a sociedade convergir até um ambiente de convívio pacífico entre pessoas de raças, credos, religiões e orientações sexuais diferentes. Lula, com sua força moral intangível, precisa atrair o PSD para uma aliança eleitoral conservando PSB, PcdoB, Rede e PSol nela, além de ampliá-la eventualmente para o MDB e outras siglas ainda menores. Isso é mandatório olhando o cenário de guerra ideológica que permaneceu montado para a próxima campanha.

A arte da edificação dessa Torre de Babel partidária estará unicamente nas hábeis mãos do ex-sindicalista e ela passa, necessariamente, pelo soerguimento de palanques amplos e generosamente abertos nos estados. Ao PT estará dada a missão de retornar às bases da sociedade a fim de eleger bancadas soberbas na Câmara, no Senado e nas Assembleias Legislativas para a promoção de uma espécie de restart da caminhada política que nos conduziu de 1979 a 2014, quando fizemos uma belíssima jornada impondo a derrota aos generais, dando saltos civilizatórios na Assembleia Nacional Constituinte, promovendo um impeachment (o de 1992) com base no Estado de Direito e vendo dois presidentes passarem a faixa a sucessores democraticamente eleitos: Fernando Henrique Cardoso e o próprio Lula. O ciclo se interrompeu com o impeachment ilegítimo de Dilma Rousseff. É hora, contudo, de arquivar as mágoas e guardar as mesquinhezes para uma vez mais, salvar o País. Agora, com um petista no comando, porém, sem o PT surgir necessariamente como hegemônico na formação das chapas.   

Foto de LUÍS COSTA PINTO

LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 55. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem três volumes lançados. Haverá um 4º e último volume). Também são de sua autoria "O Vendedor de Futuros", um perfil biográfico do empresário Nilton Molina e "O Procurador", livro-reportagem que mergulha nos meandros do Ministério Público e nas ações da PGR durante o período de Jair Bolsonaro (2019-2022) na Presidência da República.

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