Por Luís Costa Pinto
Três anos e meio é período suficiente para reorganizar a Confederação Brasileira de Futebol, sua Diretoria de Seleções e devolver o espírito vanguardista e a gana natural por vitórias e títulos à Seleção Brasileira. Os vinte anos decorridos desde a última conquista de uma Copa do Mundo, a de 2002 no Japão e na Coréia, representaram um ininterrupto descenso técnico. Hoje, o Brasil integra a Série B do futebol mundial.
A derrota estúpida para a Croácia, no Catar, tomando um gol a apenas 4 minutos do fim da prorrogação e perdendo dois dos quatro pênaltis batidos na disputa que se sucedeu ao empate resultante do descuido indesculpável numa partida decisiva, tornou palpável o fracasso de todo o planejamento traçado desde a humilhação do 7 a 1 em 2014. Comandada por uma cartolagem inepta e profissional apenas na hora de fazer a baixíssima política – política rastaquera digna de “centrão” em Brasília – a CBF se vê ante o dilema: ou muda tudo, ou minguará até a conversão de seu time principal numa equipe que só suscita lembranças.
Tite se foi quase em silêncio, cabisbaixo, dando as costas para o grupo que só comandou porque abdicou de ser líder de fato. Foi tarde e enganou muitos por muito tempo, o que em geral é difícil. Considero-me um desses torcedores ludibriados por período maior que as recomendações do juízo. Escuto agora estultices como defensores da nomeação dos portugueses Jorge Jesus ou Abel Braga para o comando técnico do Brasil. Nada contra um estrangeiro no posto. Tudo contra esses dois.
Ambos se pavoneiam das glórias alheias. O ex-flamenguista foi campeão à testa de um conjunto estelar para os padrões brasileiro e sul-americano. O palmeirense é um retranqueiro audacioso, corajoso. Infiel, contudo, às melhores práticas do quase extinto ludopédio nacional. Dir-se-á nas coxias das futuras derrotas, que estarão datadas nos calendários futuros, que era um ladino. Tite foi ladino. Dunga o foi. Precisamos perder mais uma Copa, daqui a três anos e meio, para apenas mudar o sotaque e acrescentar acentos lusitanos a velhas descobertas? De que era um ladino o técnico brasileiro?
Estou em campanha por Fernando Diniz, e sei que muitos boleiros e alguns entendidos também abraçam a causa. À guisa de nunca ter vencido nenhum campeonato relevante, o treinador do Fluminense já tem uma doutrina futebolística à sua imagem e semelhança: o Dinizismo, que consiste em controle pleno da bola e do jogo, toque de bola a partir de passes curtos e rápidos e capacidade de trocar o sentido e a rotação da partida em segundos. O tricolor das Laranjeiras neste 2022 que se encerra triste e insosso para o futebol brasileiro apostou em Diniz, viu o clube carioca mostrar lampejos luminosos em algumas partidas, ganhou a recuperação de Paulo Henrique Ganso para disputas de alto rendimento e manteve o técnico para 2023.
Fernando Diniz foi jogador mediano – como Tite, aliás; como Mano Menezes e Scolari, por exemplo. Formou-se psicólogo depois que abandonou os gramados, em paralelo à formação como técnico de futebol. É um perfil raro no mundo da bola, pois tem ideias e as defende. Nunca lhe deram tempo, o que o Fluminense agora faz, para desenvolver um trabalho que dê retorno em resultados.
Diniz na Seleção significaria, então, nova interrupção do projeto do Dinizismo num grande clube? A curto prazo, não: o Brasil não disputará nada relevante, no futebol masculino profissional, em 2023. A Copa América será em 2024, mesmo ano do início das eliminatórias para a Copa de 2026 que desta vez classificará 8 das 10 seleções nacional sul-americanas. Logo, por que não se recuar à era pré-Telê Santana, quando os técnicos da Seleção acumulavam o cargo com clubes de primeira linha do futebol nacional? Não há nenhum problema nisso, em 2023, ano cuja concentração total deverá ser em torno das bases do trabalho futuro.
O fato de Diniz ser psicólogo é essencial para o sucesso num posto eventual de treinador do Brasil. Ficará um grupo desse conjunto levado por Tite ao Catar. Expurgados Daniel Alves e Thiago Silva em razão das idades avançadas – o zagueiro fez uma grande Copa, atuou bem em todos os jogos e até o erro fatal do time contra a Croácia, a defesa brasileira era ponto de destaque na Seleção – o selecionado tem nomes muito promissores. Outros, fadados a conservar seus aprimoramentos e vencer o desafio de se manterem em alto nível por um novo período entre Copas.
Martinelli, Rodrygo, Vinicius Júnior e Anthony são pedras brutas destinadas a serem lapidadas nos clubes que integram. Casemiro, Richarlisson, Marquinhos e Paquetá, mas maduros, terão idade para chegarem em 2026 voando como Zidane e Henry em 2006 – nossos algozes naquele ano. É o que antevejo para Neymar, para um “Senhor Ney” beneficamente transfigurado: de refém das redes sociais, em ídolo real de um País tão escasso de heróis de verdade. E só um profundo trabalho psicológico, aliado À técnica futebolística, pode fazer renascer em Neymar o craque que ele esboçava ser quando despontou na Vila Belmiro, aos 17 anos, em dupla com outro pós-adolescente infernalmente incomum – Paulo Henrique Ganso.
O Ganso do Santos jogava com rabiscos de genialidade que nos fazia lembrar Zico e Zidane. Elegante, inteligente, perspicaz, preciso… e sempre encontrava as pernas ligeiras e moleques de Neymar. Lesões sucessivas em 2010 (ruptura dos ligamentos cruzados do joelho esquerdo; já havia rompido os do joelho direito em 2007), 2011 (ruptura dos músculos adutores da coxa) e 2012 (novas lesões no joelho), fizeram apagar em PH Ganso o brilho dos carques singulares e predestinados. Más temporadas na Europa, desprezo e descrédito de clubes e insucessos no São Paulo e no Santos, levaram-no até o banco do Fluminense. Para sorte de Ganso, ele sentava no banco ao lado de Fernando Diniz – e o técnico compreendeu o drama humano, redesenhou o papel do jogador em campo, apostou na recuperação. O Ganso que joga no Fluminense nos devolve momentos de sonho do atleta de outrora, da Vila, campeão brasileiro e da Libertadores com Neymar.
Fernando Diniz não precisou de títulos para passar a figurar na lista de apostas de nomes sacáveis para técnico da Seleção, liderando-a até. Bastou-lhe esboçar o potencial que tem e resgatar para o mundo mágico do futebol uma ainda jovem promessa de craque – Paulo Henrique Ganso, que voltou a traçar linhas de Zico e de Zidane pela meia do Fluminense tem 33 anos. Terá 36 anos em junho e julho de 2026, quando será disputada a 23ª Copa do Mundo na América do Norte. Em 2010, com 38 anos, Zinédine Zidane foi o melhor jogador daquele Mundial perdido pela França, nos pênaltis, para a Itália. Em 2002, depois de estourar os joelhos por três vezes, Ronaldo Nazário foi o herói improvável da conquista do pentacampeonato numa Seleção acima da média e com um técnico – Luiz Felipe Scolari – que naqueles tempos era o estrategista premonitório de marcações altas, com linhas de atacantes pressionando até os goleiros adversários.
Fernando Diniz será a melhor aposta para o futebol brasileiro. Espero que a cartolagem da CBF tome juízo e dobre o cacife que alguns dos atletas destinados a seguirem no grupo já fizeram internamente no nome do técnico do Fluminense.