Porto Alegre inundada. Imagem: EBC

Impõe-se um “Ministério Extraordinário de Reconstrução do Sul”. Governo central ágil e proativo expôs escória extremista

O presidente Lula sabe ler a realidade e decidir a hora de mudar a equipe para dar respostas mais objetivas e mais rápidas às demandas da sociedade, diz Costa Pinto

Por Luís Costa Pinto

Nenhum adjetivo superlativo é capaz de definir a dimensão do drama humano e o desafio que se propõe à sociedade e ao Estado brasileiros ante a tragédia no Rio Grande do Sul. O número de mortos contabilizado até o momento em que esse texto era escrito – 147 – e o de sobreviventes realocados provisoriamente em abrigos improvisados em escolas, igrejas, campi universitários e quadras esportivas – cerca de 90 mil -, somados aos quase 700 mil obrigados a deixar suas casas e procurar moradia provisória com parentes, amigos ou em outro tipo de alojamentos provisórios, é impactante, porém, diminuto para dimensionar a devastação ocorrida no estado. A infraestrutura urbana de uma das 10 maiores regiões metropolitanas do Brasil está em ruínas. 

Três outras grandes cidades gaúchas, Santa Maria, Pelotas e Rio Grande, também sofrem consequências severas das inundações. O aeroporto internacional Salgado Filho está fechado sem previsão de reabertura. Rodovias essenciais na interligação dos países do Mercosul que cortam o território sul-riograndense estão em situação precária e têm diversos trechos de desvios e interrupções devido a quedas de pontes, pinguelas e viadutos. O porto de Rio Grande, essencial para o escoamento da produção agropecuária relevante do estado e fundamental para a indústria exportadora e importadora do sul do país, está parado.As portentosas instituições de ensino e pesquisa da região, públicas e privadas, estão fechadas para atividades-fim e se converteram em necessários e essenciais campos de refugiados climáticos.

Ao menos três municípios, Muçum, Cruzeiro do Sul e Barra do Rio Azul, deverão ser removidas de lugar – remover a lama, os entulhos e reerguê-las no mesmo lugar é opção mais cara do que erguê-las em novos pontos geográficos mais preservados de tormentas e de fenômenos climáticos catastróficos como os ocorridos nesses dias. Estrela e Alvorada do Sul cogitam a mesma hipótese. Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo têm bairros inteiros – incluindo toda a antiga orla do Guaíba, marco emblemático da paisagem da capital gaúcha – que não poderão mais voltar a ser o que foram; nem dispor das intervenções urbanas que dispunham (mal pensadas, algumas, é verdade; outras, projetadas a contra senso das preocupações ambientais e climáticas em tempos de aceleração do aquecimento global).

Nunca antes na história desse país houve tanta destruição concentrada em um só lugar ao mesmo tempo, e por tantos dias. As águas que avançaram sobre as cidades não escoam numa velocidade hábil. Desta forma, torna-se impossível liberar os trabalhos de reconstrução e de regresso dos desabrigados ao que restou de suas moradias. O impacto da mudança brutal e radical do cotidiano das pessoas, das famílias, das empresas, produz repetidas e mal-sinadas ondas de mal-estar e de desânimo que têm de ser levadas em conta na velocidade e no estímulo à reconstrução.

GOVERNO FEDERAL TEM FOCO E RUMO NO SOCORRO 

De forma inquestionavelmente única, focada e ágil, o Governo Federal compreendeu a dimensão e a extensão do problema e montou uma Força Tarefa inédita para atuar no Rio Grande do Sul ombro a ombro com a administração estadual e com os municípios. Houve cuidado para não ferir as susceptibilidades políticas e ideológicas do governador local e da maioria dos prefeitos das cidades afetadas, uma vez que há divergências ideológicas latentes, e até então incontornáveis, entre eles. Sem perder tempo com blablablás estéreis, as três forças militares se uniram nas ações de resgate às brigadas militares gaúchas. Os ministros da Saúde, dos Transportes, da Integração, de Portos e Aeroportos, da Defesa e das Cidades, entre outros, praticamente transferiram os núcleos operacionais de seus gabinetes para o epicentro da zona devastada. Os ministros da Fazenda, do Planejamento e da Gestão, além do vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento Industrial, compreenderam a gravidade da situação e estão mais do que solidários – procuram obsessivamente formas de vencer a burocracia e a tecnocracia de Brasília para fazer com que recursos cheguem mais rapidamente ao Rio Grande do Sul. A Secretaria de Comunicação da Presidência da República, cujo ministro-chefe é da região e estruturou desde o início da gestão um gabinete com muitos políticos e alguns ex-prefeitos de lá,  hoje opera a partir de Porto Alegre. 

Convidados pelo chefe do Poder Executivo, o presidente Lula, os chefes dos poderes Judiciário e Legislativo, além do Tribunal de Contas da União, instituição de natureza ambígua que, quando quer, atrapalha sobremaneira a agilidade operacional do Estado, estão também fazendo as suas partes nesse mutirão solidário que tem por objetivo reerguer aquele pedaço do Brasil que parece estar se dissolvendo com a força das águas. Em raros momentos da vida nacional se viu tanta proatividade do Estado, e acionada do modo certo: indo no ponto objetivo de salvar quem está em risco, abrigar as dezenas de milhares de novos sem-teto gaúchos e criar condições para uma rápida recuperação da infraestrutura miseravelmente destruída quando chegar o “dia seguinte” das inundações no sul do país. O problema é que esse dia seguinte teima em não chegar. 

Durante o último fim de semana, depois de uma leve baixa do nível do Guaíba e da Lagoa dos Patos, as águas voltaram a subir. Devido a uma frente fria originada na Argentina, a temperatura caiu perigosamente. Em ambientes úmidos, enlameados, com roupas e cobertores precários, em abrigos obviamente sem calefação e à mercê de contaminação e proliferação de infecções virais, o drama humano se amplia. 

Em outra escala inimaginável, gangues de saqueadores e mesmo aventureiros do caos começam a agir entrando nas casas e prédios vilipendiados pela ação climática severa. Há relatos crescentes, também, de estupros e assédios nos abrigos e fora deles. A Força Nacional, os militares, a Polícia Federal, a Brigada Militar, a Polícia Civil e conselheiros tutelares têm trabalhado dobrado para manter a ordem pública, identificar, prender e punir os facínoras aproveitadores. Mas, a miséria humana é capaz de intensificar dramas dentro de uma situação já tão dramaticamente intensa. 

Em razão disso, é primordial asseverar a centralidade de decisões de Estado, das ações do Governo Federal, do intercâmbio deste com o governo do estado e com as prefeituras municipais. Só uma estrutura ministerial pode fazer isso na velocidade de tomada de decisões que a urgência demanda no Rio Grande do Sul requer. Sendo assim, impõe-se, em minha opinião, a criação imediata do Ministério da Reconstrução do Sul. Urge repor a ordem na região, reconstruir a infraestrutura arrasada de forma a precaver as cidades para a repetição de tragédias como essa que ora se abate por lá – porque a severidade das enxurradas e, provavelmente, a passagem de ciclones extratropicais se repetirá, talvez com uma frequência nefasta e inimaginável. Faz-se necessário ter clarividência para planejar uma pasta de ação regional, não apenas para o estado do Rio Grande do Sul. Santa Catarina, por suas condições geográficas múltiplas e pelo histórico de ocorrências climáticas bissextas, não está imune a sediar eventos tão devastadores como os ocorridos no estado vizinho. O sul e o oeste do Paraná também não. Sem falar que o noroeste paranaense pode sofrer com fenômeno inverso: seca arrasadora. 

OPORTUNIDADE PARA MUDAR O MINISTÉRIO

A usina de mentiras sediada, sem bandeiras, na terra-de-ninguém que é a internet e as redes sociais (há quem as chame, com propriedade, de “antissociais”) tentou desvirtuar as ágeis, hábeis, corretas e proativas ações de Estado no socorro ao Rio Grande do Sul. Escória da humanidade, fina-flor do esgoto da desumanidade, falsos “jornalistas”, gente que se crê capaz de influenciar corações e mentes e distorcer fatos, aproveitadores políticos e religiosos e meros bandidos desqualificados, armados de algoritmos de disseminação de mentiras, por pouco não conseguem quebrar a corrente de solidariedade e de voz de comando nas operações de resgate e reconstrução em curso no sul do país. Nesse cenário, o Palácio do Planalto tem agido bem informado sobre o que ocorria e como os desdobramentos poderiam se dar numa crise que está longe de acabar.

Nesse cenário, uma voz se destaca ecoando mais lampejos de bom-senso do que o senso comum recomendaria e aglutinando as forças operacionais de proatividade – a do ministro Paulo Pìmenta, da Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto. Ele foi capaz de dar ordens pragmáticas na linha certa, de desmentir as mentiras ultrajantes e perigosas dos facínoras das redes e pôs os colegas de ministério em linha única de informação. Também mantém o Palácio do Planalto razoavelmente bem informado sobre o que ocorre e quais desdobramentos podem se dar numa crise que está longe de acabar.

Pimenta, cujo desempenho à frente da Secom está longe de ser uma unanimidade dentro do Governo, nas bancadas governistas no Congresso, no PT e na imprensa e no mercado publicitário, encontrou seu mister na liderança da reação e da reconstrução do Rio Grande do Sul. Como descrito mais atrás, nesse texto, os desafios que são impostos ao povo gaúcho, às prefeituras locais, ao governo estadual e ao governo central estão longe de acabar. 

Caso esse eventual “Ministério da Reconstrução do Sul” saia de fato dessa prancheta e do papel virtual que tudo aceita –  afinal, há um incontável rol de motivos que o justificam -, não há nome melhor que o do ministro-chefe da Secom para seguir, de fato e agora de direito, no posto conquistado por merecimento: o de coordenador das ações federais na Região Sul. O presidente Lula é sábio e experimentado o suficiente para reconhecer quando a realidade obriga o gestor público a mudanças de curso na direção das respostas mais objetivas e mais rápidas às demandas da sociedade. Esta é uma demanda que se impõe. Caso vingue, a partir dela, pode então vir a necessária dança de cadeiras no Palácio em especial, e no Governo como um todo. 

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LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 55. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem três volumes lançados. Haverá um 4º e último volume). Também são de sua autoria "O Vendedor de Futuros", um perfil biográfico do empresário Nilton Molina e "O Procurador", livro-reportagem que mergulha nos meandros do Ministério Público e nas ações da PGR durante o período de Jair Bolsonaro (2019-2022) na Presidência da República.

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