Por Hélio Doyle, Congresso em Foco
A centro-direita e a direita não bolsonarista descobriram como conquistar o governo em 2022 e já começaram a trabalhar, nos bastidores, para viabilizar seu plano: o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. As articulações, ainda iniciais, envolvem empresários, militares e alguns poucos políticos com mandato. Estão, como é natural, sendo mantidas em sigilo, mas têm sido emitidos alguns sinais de que afastar Bolsonaro da presidência é o objetivo.
O que move os articuladores do impeachment é, sobretudo — mas não exclusivamente — impedir que o ex-presidente Lula vença as eleições em 2022 e o PT e a esquerda retomem o governo. A avaliação que fazem é de que haverá uma indesejável polarização entre Bolsonaro e Lula, com poucas chances para um candidato da centro-direita que sequer existe.
Essa polarização envolve, segundo os conspiradores, três riscos: o primeiro, é o de Lula ganhar, por eles considerada a hipótese mais provável e temida; o segundo, é o de Bolsonaro vencer e se sentir fortalecido para assumir mais poderes e criar um quadro de imprevisibilidades políticas e econômicas que não desejam; o terceiro, é Bolsonaro, ainda comandante-em-chefe, executar seu plano de resistir à vitória de Lula, apoiando-se em policiais e milicianos, e promover um confronto que levará ao caos social, para obrigar as forças armadas a intervirem.
Esse grupo não quer a vitória de Lula nem a permanência de Bolsonaro depois de 2022 e, muito menos, uma intervenção das forças armadas, seja para favorecer os projetos golpistas e autoritários do atual presidente ou para assegurar a posse do ex-presidente. O caos desejado por Bolsonaro não interessa aos empresários que aspiram pela retomada da economia e de seus negócios, e que não acreditam mais nos projetos liberais prometidos em 2018. E militares não bolsonaristas querem tirar as forças armadas do pântano em que foram jogadas e não gostam de ver milicianos e policiais, militares ou civis, todos armados, ganhando proeminência.
Sem possibilidade de voltar a impedir a candidatura de Lula, como em 2018, o jeito, raciocinam militares, empresários e políticos, é impedir a candidatura de Bolsonaro. Sem a polarização, o embate eleitoral se dará entre Lula e um candidato da centro-direita, que terá mais possibilidades de vitória, acreditam, devido à persistência da rejeição contra a esquerda e o PT e ao conservadorismo da maioria dos eleitores. Derrubar Bolsonaro passou a ser o caminho para manter a direita no governo.
O impeachment é tido como o caminho mais viável, já que a possibilidade de renúncia é muito pequena — embora não descartada totalmente, se as pressões aumentarem. Há quem admita a possibilidade de isso acontecer se for acenado para Bolsonaro, em última instância, um acordo que envolva a proteção dele e da família contra processos judiciais e a não cassação dos mandatos dos filhos.
O trabalho da CPI da pandemia, no Senado, é considerado fundamental pelos conspiradores. Além de mostrar com clareza a responsabilidade de Bolsonaro pela tragédia de mais de 500 mil mortos e suas consequências sociais e econômicas, a CPI está no caminho de comprovar fatos que caracterizam corrupção, na compra de vacinas e na promoção da cloroquina. O desgaste do presidente ajudará o impeachment.
Os sinais
Conspirações, é claro, são mantidas em segredo. E serão negadas, assim como o então vice-presidente Michel Temer e seus aliados mais próximos negavam categoricamente estarem conspirando para derrubar a presidente Dilma Rousseff, e isso bem antes de Eduardo Cunha aceitar um pedido de impeachment.
O vice-presidente Hamilton Mourão não participa das conversas, para não ser associado ao traidor Temer. Mas recebe informações e sabe o que está acontecendo. Ao aceitar dar uma entrevista ao jornalista Roberto D’Ávila, Mourão emitiu sinais importantes: o primeiro foi dar uma entrevista em estúdio quando Bolsonaro está sendo acuado por vários lados e está claro que o vice-presidente está alijado das decisões; o segundo foi dar a entrevista à GloboNews poucos dias depois de Bolsonaro desancar raivosa e publicamente o grupo Globo.
Houve sinais também no conteúdo da entrevista, embora Mourão, demonstrando suas habilidades políticas, tenha procurado não criticar diretamente Bolsonaro e o governo. Mas, além de reconhecer que não é ouvido, Mourão frisou o respeito dos militares à Constituição e atingiu Bolsonaro ao dizer que o maior erro do governo diante da pandemia foi não comunicar corretamente quanto às medidas de proteção e à vacinação — quando Bolsonaro sabotou essas medidas e não queria a vacina. E, embora não precisasse, Mourão frisou que é de direita e conservador, sem ignorar a modernidade.
A própria Globo tem dado sinais de que o projeto de impeachment avança, ao radicalizar sua oposição a Bolsonaro no editorial lido no Jornal Nacional de segunda-feira por William Bonner. No jornal impresso, Merval Pereira, em seu artigo no domingo, fala claramente em impeachment: “… as ruas estão advertindo o presidente da Câmara, Arthur Lira, de que não há mais tempo a ganhar à espera de uma melhora econômica, que não recuperará nossos mortos”.
Na terça-feira, Arthur Lira, bolsonarista assumido, criticou a CPI da Pandemia e negou que possa autorizar a abertura do processo de impeachment. Mas Lira sabe que pode ter de mudar de posição e deixou uma fresta aberta: “O impeachment é feito com circunstâncias”, disse. As circunstâncias de Lira podem vir sob a forma de pressão de quem realmente manda nele e no Congresso, ou seja, os empresários que financiam eleições, dão sustentação financeira a parlamentares e pagam para seus interesses serem atendidos na Câmara e no Senado. E se essa pressão vir com apoio de militares graduados, torna-se irresistível, ainda mais por quem, como Lira, tem um passado sujo, um presente de negociatas e se vende a quem pagar mais.
Não é acidental também que o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, esteja sendo convencido a sair do muro em que subiu desde o início da pandemia e articule rapidamente com os conselheiros federais a apresentação de um pedido de impeachment. A OAB tem grande peso político e na sociedade civil e um pedido de impeachment formulado por ela é considerado o ideal para forçar a abertura do processo. Além disso, mais de 20 entidades, entre elas a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) estão prestes a apresentar outro pedido.
Há tempo, sim
Um processo de impeachment é demorado, mas não tanto como pensam muitos que acham inviável conclui-lo bem antes das eleições. Quando os parlamentares querem, anda rápido. Se os ministros do Supremo Tribuno Federal ajudarem, será mais rápido ainda. A OAB e a ABI pediram o impeachment de Fernando Collor em 1º de setembro de 1992, no dia 2 de outubro ele foi afastado do cargo pelo Senado e no dia 30 de dezembro já estava sem o mandato.
O impeachment de Dilma Rousseff demorou mais porque houve muitos recursos ao Supremo Tribunal Federal, mas entre a decisão da comissão especial na Câmara, em 11 de abril de 2016, e o afastamento provisório do cargo, em 12 de maio, foram apenas trinta dias. O processo terminou em 31 de agosto.
O que interessa mais para quem quer o impeachment é a decisão favorável dos deputados e a aceitação do processo pelo Senado, o que provoca o afastamento temporário do presidente. Isso pode ser feito, se quiserem, em menos de dois meses. O vice-presidente assume, como fizeram Itamar Franco e Michel Temer, e montam seus governos com base nos acertos e compromissos feitos para garantir o afastamento do presidente.
A maioria que hoje poderia impedir a cassação de Bolsonaro se dissolverá rapidamente quando começarem os acordos políticos e o caixa dos empresários se abrir. Afinal, sabe-se que os parlamentares do chamado Centrão não se vendem, eles se alugam a quem pagar mais. Mesmo os representantes do agronegócio, hoje fieis a Bolsonaro, poderão aderir ao impeachment se entenderem que será melhor para seus lucros.
A aprovação do impeachment reunirá, assim — nas contas de seus articuladores —os parlamentares interessados na vitória de um candidato de centro-direita em 2022 e os deputados e senadores da esquerda que não terão como não apoiar a cassação de Bolsonaro, mesmo sabendo que o objetivo final é impedir a vitória de Lula e da esquerda. Afinal, a esquerda sempre pregou o impeachment e suas manifestações de rua colaborarão para sua aprovação.
Os parlamentares do Centrão e demais governistas aderirão por gravidade e interesse. Bolsonaro e os benefícios que recebem de seu governo serão o passado, Mourão será a perspectiva futura.
2022
Quando Michel Temer assumiu a presidência, o plano era se candidatar à reeleição, mas vários fatores, entre eles o envolvimento com Joesley Batista, inviabilizaram o projeto. O general Mourão assumirá em meio a um grande acordo político com a direita, e é provável que se as circunstâncias forem favoráveis seja o candidato contra Lula. Não é nada difícil fazer um bom governo, na perspectiva dos eleitores, depois de Bolsonaro.
As circunstâncias podem não colaborar, como aconteceu com Temer, e nesse caso os partidos de centro-direita e de direita poderão apresentar um ou mais candidatos, talvez os que já têm sido apresentados, com melhores possibilidades de derrotar Lula e a esquerda.
Esse é o plano, que pode dar certo ou não. Acuado e sob pressão, Bolsonaro não confia em boa parte dos militares que o cercam, como mostrou o jornalista Luís Costa Pinto, e teme que seja derrubado agora ou perca a eleição. Está nervoso e irritadiço. Se o processo de impeachment for aberto, mobilizará seus seguidores para resistir, mas se não sentir que tem o apoio das forças armadas sabe que apenas complicará o quadro e aumentará sua queda.
O impeachment pode não acontecer, e se acontecer não garantirá a vitória eleitoral de Mourão ou outro candidato da direita em 2022. Mas o plano é esse.