Mete o dedo, Jair. Mete fundo

Da forma tosca, como é a característica dos boçais forjados a golpes de peixeira cega no lusco-fusco dos quarteis, Jair Bolsonaro anunciou aos zurros para os simpatizantes que costumam aguardá-lo bovinamente na calçada do Palácio da Alvorada na tarde do último sábado: “vamos meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema também”.

            Satisfeito com a balbúrdia que provocara nos mercados financeiros do Brasil, dos EUA, da Europa e da Ásia ao ter atropelado o Conselho de Administração da Petrobras, maior empresa brasileira, Bolsonaro parecia possuído por almas sebosas e estava disposto a dobrar a aposta contra aqueles que um dia acreditaram tutelá-lo: os executivos do mercado financeiro. No fim da tarde da sexta-feira, demitira o presidente da estatal, Roberto Castelo Branco. Ato contínuo, indicou para a vaga o general de pijama Luna e Silva. Num só desatino, o presidente da República, eleito fazendo juras de amor ao liberalismo econômico e erguendo bandeiras de ódio a quaisquer intervencionismos estatais, terminou de desmoralizar o ministro da Paulo Guedes e acenou com novos carguinhos para o Partido da Boquinha em que se converteram as Forças Armadas.

            Oscilando há duas semanas entre os 118.000 e os 120.000 pontos, o índice da Bolsa de Valores de São Paulo já deixa claro que a economia brasileira demorará muito mais que o resto do mundo para se recuperar do golpe de 2020. Talvez precise de cinco vezes mais tempo que outros mercados emergentes.

Para regressar ao voo de brigadeiro que o Brasil experimentava em 2012, antes que fossem disparados os quatro gatilhos trágicos que mataram a esperança e lançaram-nos nessa tragédia – as “jornadas de 2013”, a recusa de Aécio Neves a reconhecer o resultado eleitoral das urnas de 2014, o impeachment sem crime de responsabilidade de 2016 e a conversão genuflexa dos empresários e dos executivos ao discurso da bala e às arminhas do bolsonarismo de 2018 – o País deveria ter seu principal índice do mercado financeiro operando nas franjas dos 180.000 pontos. Isso não ocorrerá nem em 2022, mesmo que a pandemia do coronavírus esteja sob controle nos próximos 12 meses.

A semana de 22 a 26 de fevereiro, que ora se inicia, assistirá novamente ao Brasil pedir água desde o quinto dos infernos financeiros para onde a Nação foi lançada. Ao “meter o dedo na energia elétrica”, Bolsonaro poderá provocar um curto-circuito no mercado. Sem dizê-lo, como sói acontecer aos pérfidos e perversos que creem ser a tortura um recurso legítimo de gestão política e administrativa, ele deixou claro: trocará o comando da Eletrobrás a fórceps, subjugando o Conselho de Administração da companhia, e desestruturará o setor. Nos porões da ditadura os heróis do atual presidente da República brasileira mandavam meter o dedo em outro lugar para dar choques seviciantes e desumanos em suas vítimas.

A turma da banca comprou ações de Bolsonaro em 2018 ignorando o prontuário do capitão expulso do Exército com fama de maluco e sob acusações de arquitetar atentados terroristas de extrema-direita para forçar o reajuste de soldos. Não fosse a tal ficha corrida suficientemente desabonadora, fizeram vistas grossas aos 28 anos passados por Bolsonaro no Congresso sem liderar nenhuma bancada partidária, sem presidir nenhuma comissão, sem aprovar sequer um projeto relevante e esgrimindo ódios e boçalidades em ataques contra deputadas, jornalistas, militantes dos movimentos LGBT.

A semana que começa com investidores tentando curar as feridas nos preços do petróleo e derivados e pedindo forças a Deus para que o estrago no setor de energia não seja devastador, caminha para terminar com o ministro Paulo Guedes entregando ou o boné, ou a alma, na próxima sexta-feira. Se houver dignidade no doutrinador ultraliberal de Chicago, entrega o boné. Caso ele seja mesmo um bobo da Corte de ópera-bufa, deixará claro que vendeu a alma para um capitão desmiolado, intervencionista, despreparado.

Jair Bolsonaro tem ideia fixa por meter o dedo, girar a Lusitana, arrancar lágrimas de sangue de Guedes e ouvi-lo pedir “perdão, comandante”. Se houver um general, um brigadeiro ou um almirante que saiba ir além das contas de padaria da caserna, há risco de nós vermos uma farda despachando no gabinete reservado do Ministério da Economia. Vai fundo, Jair. Mete.

Em tempo: só loucos têm ideias fixas.

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LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 55. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem três volumes lançados. Haverá um 4º e último volume). Também são de sua autoria "O Vendedor de Futuros", um perfil biográfico do empresário Nilton Molina e "O Procurador", livro-reportagem que mergulha nos meandros do Ministério Público e nas ações da PGR durante o período de Jair Bolsonaro (2019-2022) na Presidência da República.

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Uma resposta

  1. Não sei por quê, mas ao meu sentir, não sinto surpresas dos atos do inconsequente sem noção do cargo que ocupa, acho até graça, me divirto bastante com os desatinos do desvairado que os mais desvairados que ele apostaram em sua sanidade repentina. Só loucos acreditam em louco, só bandidos negociam com bandidos. Eu como não sou nem um nem outro, vou me divertindo até a bandeira asteada a este barco começar a afundar. Aguardemos.

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