Lula constroi narrativa de aclamação com discurso de “museu de grandes novidades”, diz Meirelles

Por Fabiane Stefano e Gabriel Justo

Diferentemente do discurso de quando deixou a prisão em Curitiba, em novembro de 2019, as falas do ex-presidente Lula no Sindicato dos Metalúrgicos nesta quarta-feira (10) tiveram um tom mais conciliador. Em busca de diálogo com o centro político, o petista revisitou os tempos áureos de seu governo, lembrando muito mais o Lula de 2002 – que redigiu a “Carta ao Povo Brasileiro” e cujo vice era José de Alencar – do que o estridente Lula de 89.

Na avaliação do pesquisador Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, mesmo sendo um “museu de grandes novidades” (em alusão à musica de Cazuza, O Tempo não Para), o discurso de Lula é o primeiro passo na construção de uma narrativa de aclamação – daí, inclusive, a não-confirmação da sua candidatura de imediato.

“Não está posto que o Lula será candidato. O que ele precisa é estar em condições de ser o principal eleitor, o principal influenciador da campanha eleitoral de 22. Se ele vai ou não se candidatar, é uma decisão futura”, disse Meirelles em entrevista à EXAME. 

Para funcionar, entretanto, essa narrativa precisa conversar não só com o centro político, mas também com a nova juventude, menos fabril e mais conectada, que nasceu na bonança econômica e sente agora, pela primeira vez, os efeitos de uma crise política e econômica. “Nenhuma dessas duas tarefas é fácil, pela simbologia do Lula e do PT. Possível é, mas o legado, ainda que indiscutível, não bastará. Ele terá que falar de futuro”, afirmou o pesquisador.

Apesar de o mercado não ter sido impactado pelo pronunciamento do ex-presidente, Meirelles lembra que há um descontentamento grande por parte do capital produtivo e financeiro com a deterioração do cenário econômico brasileiro, e que Lula já provou mais de uma vez seu perfil conciliador – nas Diretas e novamente em 2002.

“Ao mesmo tempo, Lula também não corre o risco de cair em uma discussão de costumes durante o processo eleitoral, como aconteceu com a esquerda em 2018, porque ele sabe que o debate que importa, tanto para o mercado quanto para a população, é emprego, renda e oportunidade”, disse.

LEIA ABAIXO A ENTREVISTA COMPLETA

EXAME: Como você avalia o discurso do Lula ontem? Ele está mesmo de volta ao jogo? Vai ser candidato?

O discurso do ex-presidente Lula ontem teve a postura de um estadista, ainda que fosse num tom “museu de grandes novidades”.  Mas essa narrativa contrasta com a postura do atual chefe de estado como há muito tempo não se via. Ontem, pela primeira vez em muito tempo, quem falou foi o Lula de 2002/2003, o Lula Paz e Amor, e não o de 89. Ele falou para o centro, não para os extremos, e com uma genialidade retórica que eu, como analista de opinião pública, não tenho como não notar. 

Já foi possível avaliar o impacto desse discurso no eleitorado?

Nos grupos qualitativos que montamos neste pouco tempo, a percepção é de que Lula resgatou um passado distante, quase nostálgico, que parece outra vida para os brasileiros. E não é só saudade da bonança econômica, mas de uma narrativa que ofereça perspectiva de futuro e de união, sem divisão da sociedade. Isso tem uma adesão gigantesca. 

Como você avalia o reação do mercado financeiro?

Um erro bastante comum na análise sobre o mercado é achar que o mercado é uma coisa só. Traders são uma coisa, grandes investidores são outra. Seja no capital produtivo ou financeiro, há um descontentamento com o governo Bolsonaro, porque não há segurança jurídica, não tem crescimento… Sem contar a deterioração da reputação internacional do Brasil, que torna o processo de atração de investimento externo mais difícil. 

O Lula participou das diretas e, diferente do Bolsonaro, ele sabe a importância de se fazer políticas de conciliação – inclusive sinalizou isso ao lembrar que todos ganham com o crescimento do país. Ele também debochou do negacionismo, que prejudica os mercados… O que o mercado quer, de verdade, é o fim dessa instabilidade política.Veja também

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