Desastre do Texas revela a fragilidade dos Estados Unidos diante da crise climática

Antônia Laborde, El País

No Texas, quando se fala de frio, o termômetro marca 10 graus. Quando se fala de muito frio, pode chegar até 2. A inusitada tempestade de inverno que açoitou o Estado sulista nesta semana fez com que várias cidades batessem seu recorde de temperatura mínima e em Houston —a cidade mais populosa do Estado e a quarta do país— a sensação térmica chegasse a 20 graus negativos.

Em desespero, as pessoas acenderam churrasqueiras ou se enfiaram nos carros dentro de garagens para tentar se aquecer, o que causou algumas das 30 mortes relacionadas à onda de frio. Nas terras do maior produtor de gás natural, petróleo e energia eólica dos EUA, mais de quatro milhões de residentes sofreram cortes de energia por 72 horas e dezenas de milhares ainda permanecem às escuras. O colapso da rede elétrica desencadeou um debate sobre a situação da infraestrutura e também, entre ambientalistas e céticos da mudança climática, sobre as energias renováveis.

Neste sábado as ruas não estavam mais inundadas de neve e as temperaturas subiram, mas a tragédia continua muito presente nas casas. Metade dos 29 milhões de habitantes do Estado tem ordem de ferver a água (para beber, cozinhar ou escovar os dentes) por causa da possível contaminação decorrente do rompimento de encanamentos. Mais de 700 sistemas de abastecimento de água foram afetados. A situação crítica forçou os hospitais a tomar medidas extremas: um estabelecimento de Houston colocou baldes no telhado para coletar gotas de chuva e usar essa água para limpar os vasos sanitários; em outro, em Austin (capital do Texas), parte dos funcionários teve que cobrir as mãos com sacos de lixo para remover as fezes das privadas.

Dada a falta de ações preventivas e a evidente precariedade dos serviços e da infraestrutura, a comunidade texana, ainda incrédula com o que está sofrendo em meio a uma pandemia, exige uma explicação que as autoridades até agora não foram capazes de dar.

A pior nevasca registrada na história do Texas, com temperaturas abaixo de zero no início da semana em todo o seu território (um pouco maior do que o da França), alimentou uma demanda de energia sem precedentes. Quando milhões de casas ligaram a calefação, os geradores, que não estavam preparados para esses níveis de demanda, entraram em colapso. Ao mesmo tempo, o frio extremo causou o congelamento de parte dos equipamentos necessários para o funcionamento da rede elétrica do Estado. Essa combinação fez com que os cortes de 45 minutos, anunciados para se manter a estabilidade da rede elétrica, se estendessem por mais de três dias em algumas residências. Neste sábado, pelo menos 80.000 casas e negócios ainda estavam às escuras.

Enrique Quintero, 50 anos, não tomou banho durante quatro dias. Sem eletricidade nem água, decidiu ficar na loja de móveis em que trabalha, a Gallery Furniture. O conhecido espaço comercial de Houston, de 10.000 metros quadrados, esta semana se tornou um refúgio que recebia mais de 300 pessoas todas as noites em busca de abrigo e comida. As famílias se amontoavam nas camas à venda, algumas por mais de 5.000 dólares (27.000 reais). Outras preferiram dormir nos sofás de couro texano, alguns por 8.000 dólares (43.000 reais). Jim McIngvale, o dono do negócio, uma celebridade da cidade, disse a este jornal na noite de sexta-feira em sua loja que decidiu abrir as portas porque “as pessoas estavam precisando. Muitos idosos estavam sozinhos, no escuro, sem poder carregar seus celulares”. McIngvale não perde a oportunidade: “Vieram aqui pelos bons colchões.”

O governador republicano Greg Abbott fez acusações ao Green New Deal, o plano de combate às mudanças climáticas proposto pela ala esquerda do Partido Democrata, em uma de suas primeiras coletivas de imprensa desde que começou a nevar no Texas. Os fatos “simplesmente revelam que os combustíveis fósseis são necessários”, disse Abbott, aludindo às falhas causadas pela queda de neve nas usinas eólicas. “Isso é o que acontece quando a rede é forçada a depender em parte do vento como fonte de energia”, tuitou o congressista republicano Dan Crenshaw na terça-feira. O Conselho de Confiabilidade Elétrica do Texas (Ercot, na sigla em inglês), órgão supervisor da distribuição de energia elétrica no Estado, esclareceu que as turbinas eólicas congeladas foram o fator “menos significativo” nos apagões.

As centrais elétricas de gás natural geraram 46% da eletricidade do Texas em 2020, de acordo com o Ercot. As eólicas, 23%; as de carvão, 18%; as nucleares, 11%, e apenas 2% veio da energia solar. “Um Estado que se orgulha de sua produção de eletricidade deixou milhões de seus cidadãos congelados na escuridão. Não é só incompetente, é criminoso”, acusou o deputado democrata do Congresso do Texas James Talarico, destacando que a crise não se deveu a um desastre natural, mas a “anos de investimento insuficiente, desregulamentação e negligência”.

Leia clicando aqui o texto originalmente publicado em El País Brasil: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-02-21/desastre-do-texas-revela-a-fragilidade-dos-estados-unidos-diante-da-crise-climatica.html

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