A sonegação de provas pelo Estado

Por Pierpaolo Cruz Bottini

Em decisão recente, o ministro Ricardo Lewandowski autorizou à defesa de Lula o acesso às mensagens trocadas por procuradores e juiz da Lava Jato, apreendidas na operação Spoofing, em posse da Polícia Federal. A entrega dos documentos foi postergada por mais de uma vez, sob a justificativa de dificuldades técnicas e decorrentes da falta de compreensão dos termos exatos da ordem, exigindo do ministro a reiteração da determinação.

Estratégias para dificultar o acesso a elementos colhidos em investigações não são raras e aparecem na prática com os mais variados disfarces. Sob o pano de entraves burocráticos muitas vezes se esconde a astúcia estatal para impedir o exercício da defesa.

Juntadas, carimbos e autos parecem detalhes de planície frente aos grandes temas do processo penal, mas é justamente neles que reside aquele senhor a quem alguns chamam de diabo. Todas as conquistas, súmulas e regras referentes ao contraditório e à transparência na investigação e no processo penal caem por terra diante de pequenas táticas que passam ao largo das grandes discussões.

No cotidiano, é comum que certas autoridades, sob a alegação de falta de tempo ou de estrutura, deixem de “acostar” aos autos depoimentos, perícias e documentos, muitas vezes apenas revelados — como que por encanto — durante oitivas, surpreendendo o investigado e seu defensor.

Em algum momento da história, o inquérito policial, ou os procedimentos investigatórios, eram espaços de discricionariedade da autoridade, nos quais as decisões sobre diligências, os rumos da investigação, as pessoas a ouvir e as perícias a efetuar cabiam apenas aos representantes do Estado. Ao investigado cedia-se, no máximo, o espaço do depoimento, para apresentar sua versão dos fatos, e, às vezes, o acesso a alguns documentos produzidos.

Há algum tempo, percebeu-se que tal situação compromete o objetivo em torno do qual deve se mover a investigação: conhecer e compreender o realmente ocorrido, ou o mais próximo disso possível. Ainda que a polícia e o Ministério Público se apresentem como agentes do Estado em busca da verdade dos fatos, em boa parte dos casos (com as sempre bem-vindas exceções) sua atuação pende para a busca de indícios ou provas que fundamentem ou reforcem uma tese acusatória, ainda que embrionária. Isso não significa que tais autoridades deixariam deliberadamente de apurar fatos que contradigam suspeitas iniciais, mas é natural que direcionem as atividades para determinados focos, reforçando suas premissas.

Por isso, a transparência das investigações é fundamental. O investigado precisa ter acesso aos autos, conhecer os elementos de prova colhidos, até para contribuir com o esclarecimento do ocorrido com sua versão dos fatos. Não pode haver segredo quando se trata da discussão da liberdade.

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