Todos os erros dos homens do presidente (Lula, 3.0) e quais os caminhos para abrir 2026 antes de fechar 2024

O presidente precisa agir com rapidez, assertividade, firmeza e foco ao operar em sua equipe e no PT as mudanças necessárias depois das urnas municipais e antes do pleito de 2026

Por Luís Costa Pinto

O resultado das urnas do próximo domingo, no 2º turno das eleições municipais, dará ao Partido dos Trabalhadores uma certa tranquilidade para operar mudanças na equipe de Governo sem estar sob o manto do derrotismo ou refém da retórica dos fracassomaníacos que operam dentro de suas próprias linhas.

Com chance real de eleger dois ou três prefeitos de capitais – Fortaleza, Cuiabá e Natal –, proeza que não logrou conseguir em 2020; e ainda peleando para a vitória em cidades importantes como Mauá e Diadema (Região Metropolitana de São Paulo), Olinda (Grande Recife) e Pelotas e Santa Maria (RS), o PT somará alguns desses resultados relevantes aos 248 prefeitos eleitos no primeiro turno.

O saldo será obviamente positivo ante os ralos 179 eleitos há quatro anos. O ambiente de serenidade pragmática deve prevalecer mesmo com o resultado da capital paulista, onde não se poderá permitir nem euforia desmedida caso o aliado Guilherme Boulos (Psol) deslanche para uma difícil saga vitoriosa, nem imaturas lavagens de roupa suja a céu aberto se sobrevier uma derrota do psolista.

Mas, as mudanças no partido, dentro do Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios precisam ser feitas com rapidez, assertividade, firmeza e foco. Os quatro substantivos são escassos na equipe e na base de Governo desse terceiro mandado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foram diferenciais competitivos que marcaram os mandatos anteriores – sobretudo desde a reação à falsa denúncia do “mensalão” até a incontestável vitória de 2010 com Dilma Roussef se elegendo sucessora de um Lula cuja popularidade alçou-o com justiça aos píncaros da glória.

EIS A LISTA (INACABADA) DOS CULPADOS

  • O erro original do Lula 3.0 se deu antes mesmo da posse do presidente, ainda na transição, quando os infiltrados de Arthur Lira na equipe do PT venderam barato a ideia de que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apelidada sem originalidade “da transição” só passaria se os petistas em particular e a esquerda em geral aderissem à caravana de reeleição do presidente da Câmara. A PEC era de fato essencial para o governo legitimamente eleito no pleito acirrado de 2022 sentar praça e administrar as ruínas do país em 2023. Porém, a mentira comprada fácil e sem regatear pelos auxiliares mais próximos de Lula foi que a PEC só passaria se o futuro Governo aceitasse incondicionalmente todas as propostas de Lira. Não foi um acordo, foi uma rendição e ela deixou o PT refém do presidente da Câmara, que elegeu quais seriam seus negociadores na bancada petista: o líder José Guimarães (PT-CE) e o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que seria nomeado ministro da Secretaria de Comunicação (Secom). O filho de Arthur Lira é preposto de um grupo que lucra pesado com publicidade oficial bancada com verba da Secom; o grupo foi formado e começou a operar durante o período de Jair Bolsonaro na presidência.
  • O segundo erro veio no preenchimento da vaga de Secretário Geral da Presidência por critério de simpatia pessoal e amizade com a primeira-dama Rosângela Silva. O ministro Márcio Macedo, que foi um eficiente tesoureiro da campanha de Lula em 2022, nunca teve o perfil exigido para o posto ao qual foi alçado. Em última instância, era da alçada dele a administração do Palácio do Planalto e das residências oficiais – consequentemente, dos núcleos de segurança institucional dessas sedes do Poder Executivo. Isso deveria ser feito em paralelo com a articulação junto aos movimentos da sociedade civil, sindicatos, movimentos populares e até mesmo às federações empresariais. Macedo confiou na autogestão dos fatos e das pessoas em torno do presidente da República e o 8 de janeiro de 2023 aconteceu. Macedo não tem nenhuma inserção nos movimentos sociais e sindicais e o 1º de maio de 2024 foi o que foi. O tesoureiro de 2022 já está fazendo hora extra no Palácio do Planalto, onde talvez não saiba sequer onde ficam as portas de saída de emergência.
  • O terceiro erro se deu na insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em manter o deputado gaúcho Paulo Pimenta na Secretaria de Comunicação de Governo mesmo 22 meses depois de ele ter demonstrado inúmeras vezes a absoluta inaptidão para o cargo. Antes de assumir, ainda na transição de Governo, Pimenta buscou uma série de apoios externos ao PT e junto a veículos de comunicação e ao trade empresarial que orbita a Comunicação Pública a fim de que falassem bem dele até que a fofoca positiva e propositiva chegasse aos ouvidos de Lula. Por exclusão dentro do jogo das tendências internas do PT, e por conveniência (uma vez que é jornalista de formação, embora jamais tenha exercido de fato a profissão), Pimenta coube no figurino da Secom. Um ex-cunhado dele rapidamente se tornou sócio da Agência Nacional, empresa de publicidade que havia recém-vencido a licitação feita ainda pela gestão Bolsonaro para administrar a conta publicitária da Secom e do Ministério da Saúde (certames diferentes) e, em razão do périplo de sagração que empreendeu, o deputado gaúcho também firmou laços firmes de parceria com a agência FSB, empresa de assessoria de imprensa e dona de um instituto de pesquisas também licitada nos tempos de Bolsonaro para cuidar da comunicação institucional de todo o Governo. Colocando Nacional e FSB à frente de todos os processos institucionais e à revelia da qualidade das campanhas e das necessidades comunicacionais do Lula 3.0, Pimenta e seus parceiros privados formou um tripé de ataque aos adversários pessoais e de defesa do seu objetivo político central: eleger-se governador do Rio Grande do Sul. O ministro nunca refletiu sobre seu papel primordial – o de realçar as ações do Governo, ampliar a percepção positiva dos bons programas retomados pelo PR na Presidência e abrir canais de interlocução madura, e não de detração dos adversários, na mídia tradicional (onde há resistência à personagem de Lula) ou de construção de relação de dependência da mídia digital à mal distribuída verba publicitária oficial. Houve a chance de mandar Pimenta de volta ao Congresso quando expirou a Medida Provisória da Secretaria Extraordinária de Reconstrução do Rio Grande do Sul, que ele foi capaz de aprovar reunindo apoios políticos em torno da melhor ideia que existiu para ajudá-lo na eleição de 2026 em seu estado. Além da administração toscamente enviesada da publicidade de Governo, Pimenta foi incapaz de compreender o papel da EBC e da TV Brasil na estruturação de uma rede de Comunicação Pública: aparelhou a instituição seguindo o mesmo modelo adotado por Michel Temer e por Jair Bolsonaro e contribui firmemente para o descrédito dos canais de Estado. Quaisquer mudanças pós-eleitorais visando a recomposição de forças e a reabertura de canais de comunicação com a sociedade, com setores refratários a Lula e ao PT, só terão sucesso se Paulo Pimenta for removido da Secom. Mantê-lo lá é premiar a incompetência e a inaptidão.
  • Rui Costa na Casa Civil do Palácio do Planalto funciona como uma espécie de pé de intriga plantado no Jardim de Inverno do núcleo de poder. O problema do presidente é que nesse jardim o café começa a esfriar a partir de 2 de janeiro de 2025, na contagem regressiva para 2026. De temperamento áspero e aziago, Rui Costa coleciona desafetos entre os colegas. Além dos primeiros curtos-circuitos tidos com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o ministro-chefe da Casa Civil teve desentendimentos recentes com Ricardo Lewandowski, da Justiça, que fez desabafos furibundos com o tratamento rude recebido do colega, com Nísia Trindade, da Saúde, que chegou a chorar de raiva e decepção ao relatar os maus-tratos do ex-governador baiano, e com Camilo Santana, da Educação, estrela solitária em ascensão no universo de ministros petistas. Além dessas trombadas, que nunca passaram desapercebidas por uma turma das antigas que preserva interlocução e respeito com Lula e com as instâncias internas do PT, Rui Costa anda às turras com o senador Jacques Wagner, responsável por alavancá-lo na política baiana. O ministro da Casa Civil cismou que deve tentar um terceiro mandato no Governo da Bahia e quer fazer o PT recusar legenda para a reeleição do governador Jerônimo Rodrigues. Wagner considera o movimento um despautério embora Rodrigues esteja passando por um momento de crise e tenha sido derrotado de maneira humilhante nas eleições municipais em Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista – os três maiores colégios do estado. Há chance de eleger o prefeito de Camaçari no segundo turno. Rui Costa tenta ampliar seu raio de ação para instituições privadas e, para tal, vende como sólida a relação até aqui classificada pelo presidente apenas como “gasosa” com a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ricardo Albán, empresário baiano que assumiu a presidência da CNI este ano, é amigo regional do ministro da Casa Civil. Lula sabe que seu aliado Josué Gomes da Silva deve perder o controle da Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – para uma choldra de empresários bolsonaristas liderada por Paulo Skaf (ex-presidente da Fiesp que liderou a instituição na linha de frente do golpe do impeachment sem crime de responsabilidade, em 2016, e na chancela à eleição de Bolsonaro em 2018). Sendo assim, a CNI será uma pedra de toque basilar para as pretensões do Governo em 2026 e ter a Casa Civil esgrimindo e exibindo uma boa relação com a Confederação Nacional da Indústria é um ás que Costa põe na mesa de negociações para fazer prevalecer suas teses.
  • Um erro que envelheceu mal como os vinhos baratos e até avinagrou a relação política em Brasília é a manutenção de Juscelino Filho no Ministério das Comunicações. Tocando uma pasta cuja gestão ele terceirizou para o sogro e foi cuidar dos rolos judiciais nos quais se meteu por favorecer empreiteiros glosados pelo Tribunal de Contas da União com suas emendas parlamentares oriundas do Orçamento Secreto, Juscelino não tem dimensão do cargo que ocupa e nem tamanho político para exercê-lo. Os escândalos dos quais é alvo o expõem e constrangem o Governo. Nada justifica a permanência do deputado de baixo clero do Maranhão na Esplanada dos Ministérios – nem mesmo o fato de ele ter sido indicado pelo futuro presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AC). Operador político hábil e pragmático, Alcolumbre está há alguns meses esperando que alguém do Planalto, tendo divisões no ombro, ligue para ele e combine a troca na pasta das Comunicações. É hora de fazer isso. Um ponto de convergência de incompetências une Juscelino Filho a Paulo Pimenta: a demora injustificada e já absurda na regulação das plataformas e redes sociais.
  • Por fim, erro novo e incompreensível cometido em Brasília foi a manutenção do ministro José Múcio Monteiro à frente do Ministério da Defesa. Há duas semanas, num discurso torpemente descalibrado pronunciado em evento na CNI (organizado pela FSB, que atende à Confederação, à Secom do Palácio e ao próprio Múcio, que foi presidente do Conselho da empresa substituindo ao general Sérgio Etchegoyen, ex-ministro-chege do GSI de Michel Temer), Múcio afirmou para uma plateia perplexa que fora obrigado a suspender uma licitação de fornecimento de material bélico vencida por uma empresa israelense. Cobrado pela oposição de extrema-direita, que viu no episódio um prato cheio para bater no Governo Lula, até hoje do Ministro da Defesa não deu detalhes públicos e transparentes do que seria essa licitação e nem como se deu a ação “ideológica” palaciana contra os interesses das Forças Armadas e do “povo judeu”, como ele mesmo qualificou. Por mais que tenha sido essencial na pacificação do terreno militar minado por Bolsonaro e pelos comandantes golpistas do governo passado, Múcio também passou a fazer hora extra na equipe ministerial depois do que disse na CNI. O presidente Lula teve uma conversa reservada na semana que passou. Talvez comece por aí a série de alterações que têm de ser feitas na equipe de Governo antes que os fogos de réveillon e as luzes de Natal se apaguem em 2024 para se abrirem os trabalhos de 2026 e do difícil ano eleitoral para o PT e para a esquerda brasileira.

Em relação a mudanças no ministério e na condução do PT, o que se discute nos bastidores de Brasília (começando pelo Ministério da Defesa):

  • Ao menos um interlocutor do presidente, ciente das insatisfações de Lewandowski com Rui Costa e da decepção do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal em razão das grosserias das quais foi vítima na Casa Civil, falou na possibilidade de o atual ministro da Justiça ser transferido para a Defesa. Os militares não iriam se opor a serem comandados por um ex-ministro do STF e a troca não traria demérito algum para o atual ministro da Justiça.
  • Abrindo-se a vaga no ministério de onde o ex-ministro Flávio Dino foi catapultado para o Supremo Tribunal Federal depois de reafirmar seu brilho jurídico e sua competência política, a pasta pode ser oferecida ao senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, antes mesmo de seu segundo mandato à frente da Mesa Diretora da Casa chegar ao fim. Pacheco aceitaria, pois o cargo seria uma plataforma de alavancagem para a campanha ao governo de Minas Gerais, que ele tem como meta. Também seria um gesto na direção de uma composição de mais longo alcance com o PSD liderado com enorme competência pelo ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab. O Senado não precisaria eleger um presidente-tampão para escassos três ou quatro meses de mandato. O primeiro-vice da Mesa, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB), tem condições plenas de assumir o posto caso este cenário prevaleça. O MDB, partido que precisa ser cortejado no rumo da esquerda para o centro, veria a decorrência natural como uma deferência especial. Deferências especiais lubrificam relacionamentos políticos e dão fluidez a eles.
  • Aproximar Kassab ainda mais do Palácio do Planalto e do vice-presidente Geraldo Alckmin é uma obsessão do presidente Lula. Ele quer fazer um “jogo de seis pontos” com o presidente nacional do PSD tirando-o da órbita do governador Tarcísio de Freitas, de São Paulo, e abrindo caminho para uma composição ao centro que permita a construção de um palanque pragmático em São Paulo para 2026. Os engenheiros que trabalham nessa obra, ora em planejamento em Brasília, vislumbram a possibilidade de Alckmin aceitar uma nova candidatura ao governo estadual dentro de dois anos, com o PSD, o PT e outras siglas de esquerda apoiando o PSB. Em troca, o próprio Kassab – que não pretende voltar a cargos eletivos, mas, sim, consolidar-se como o coringa partidário – assumiria o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio quando fosse necessário Alckmin se desincompatibilizar (este desfecho ainda habita o universo da especulação plena. Entretanto, especular e estabelecer valor de face para o ponto futuro é moeda de troca nos subterrâneos brasilienses).
  • Antecipar a troca na presidência do PT de abril ou maio de 2025 para dezembro deste ano ou até fevereiro do ano que vem – ainda antes do Carnaval. O presidente Lula vai jogar pesado em favor de seu candidato, Edinho Silva, prefeito de Araraquara (SP) e ex-ministro da Secom de Dilma Rousseff. Em razão disso, Edinho dificilmente será ministro da Secom de novo, no lugar de Paulo Pimenta, que mantém no bolso um discurso pronto para sua eventual demissão.
  • Lula quer a manutenção de Laércio Portela nas instâncias decisórias da Secom. Portela ocupou interinamente a cadeira de Pimenta e livrou o Governo de alguns apuros operacionais e legais. Ao voltar para o cargo na Secom, desfeita a aventura gaúcha que Paulo Pimenta desqualificou com sua incompetência, ele pôs Laércio Portela numa geladeira dentro da Secretaria. Vingando-se pelo fato de Portela não ter aceitado homologar uma licitação eivada de suspeitas de corrupção para a contratação de quatro agências de publicidade digital, ele tirou do seu sucessor interino quaisquer protagonismos em campanhas efetivas da Secom.
  • Nada indica que Rui Costa deixará a Casa Civil e isso seguirá um problema para o Governo. Afinal, localizam-se ali na sala do ex-governador baiano as maiores tensões palacianas no momento. A consolidação de Camilo Santana como um negociador hábil e liderança com voto no Nordeste – confirmando-se a provável vitória do PT em Fortaleza contra um prócer do bolsonarismo desmiolado como é André Fernandes (PL), o adversário de Evandro Leitão na capital cearense – é o único senão capaz de pôr em perspectiva a possibilidade de troca na Casa Civil. Lula tem Camilo na manga para o posto, só não encontra a oportunidade (ou a coragem) para fazer a troca de cartas na mesa de negociações políticas.
  • Gleisi Hoffmann pode ir para o lugar de Márcio Macedo na Secretaria Geral da Presidência da República. Antecipando-se a troca no comando do PT, antecipam-se também as aberturas de diapasão das negociações do partido na montagem do palanque lulista para 2026. Gleisi está preparada para elas. Durante seu longo período à frente do PT, sobretudo na fase em que Lula esteve preso injustamente em Curitiba e na heroica campanha de Fernando Haddad à Presidência em 2018, a deputada paranaense revelou-se intransigente em princípios e dogmas caros aos petistas em geral e ao presidente da República em particular. Isso, porém, jamais estagnou alianças formais e ampliações pontuais de palanque tendo-se no horizonte projetos mais amplos e não personalistas. Além do quê, a gestão financeira de Gleisi no Partido dos Trabalhadores recuperou o combalido caixa da sigla duramente afetado depois dos golpes de 2005 (o tal do “mensalão”), 2016 (impeachment sem crime de responsabilidade) e 2018 (derrota para Bolsonaro numa campanha assimétrica e flagrantemente irregular).
  • A sucessão no Senado está resolvida e encaminhada conforme descrito anteriormente nesse texto. Na Câmara dos Deputados, o presidente Lula tem sido feliz nas articulações que o mantêm distante dos ardis de Arthur Lira para preservar poder e influência mesmo quando estiver longe do cargo. Foi o presidente quem determinou ao líder do partido, Odair Cunha (PT-MG), que recuasse as cinco casas que ele avançou ilegitimamente no tabuleiro sucessório do Congresso ao aderir risonha e apressadamente à candidatura de Hugo Motta (Republicanos-PB) patrocinada por Lira. O lance mal pensado por Arthur Lira dividiu a própria base dele e lançou sobre o presidente da Câmara a alcunha de traidor (ao menos foi assim que o ex-delfim de Lira, Elmar Nascimento, União-BA, sentiu-se: traído). Canalhas carniceiros, mas, transparentes, como Eduardo Cunha, por exemplo, são tolerados por todos os cleros do Parlamento. Quem se associa a eles sabe que pode ser anulado, cancelado ou aniquilado a qualquer momento, porém, o jogo preserva regras e até uma certa ética mafiosa. A trair Nascimento como traiu, Arthur Lira desenhou um cenário de filme de Quentin Tarantino, onde sempre há uma cena em que todos podem matar todos e ninguém será responsabilizado por ter acionado o botão caos. Os deputados Antônio Brito (PSD-BA) e Elmar Nascimento fecharam um acordo de apoio mútuo contra o eventual crescimento de adesões a Hugo Motta, o que não vem ocorrendo. Interlocutores palacianos que operam em frequências mais sofisticadas não desmentem que pode surgir um tertius na disputa cujo nome travaria qualquer ação reativa de Lira: Marcos Pereira, presidente do Republicanos, partido de Motta, retomaria a candidatura abandonada lá atrás com potencial para convencer Brito e Nascimento de aderirem e com forte apoio da bancada evangélica (hoje relevante no Congresso). Pereira, independente e maduro, soa muito mais confiável ao Palácio do Planalto em geral e a Lula em particular do que Hugo Motta sob o patrocínio de Lira. Por operar no foro dos presidentes de partido – Kassab, do PSD, Antônio Rueda, do União, e até Waldemar da Costa Neto, do PL – além dos foros de lideranças congressuais, Marcos Pereira tem um diferencial competitivo intangível nessa disputa caso decida-se por voltar a ela. Não está longe de tomar essa decisão.

Nas Democracias, o jogo da política tem regras consuetudinárias que vão se ajustando no decorrer do tempo e ao sabor das gerações que operam o poder. Está-se vivendo um hiato geracional no PT, em especial, e na esquerda como um todo. No curso desse hiato, o Partido dos Trabalhadores, de Lula, detém a presidência da República, mas, não tem a chave-mestra para solucionar todos os problemas da governabilidade. Sem ter conseguido vencer em São Paulo, onde relutou em apoiar Ricardo Nunes no primeiro turno e foi rechaçado no segundo turno, independente do veredito das urnas no próximo domingo, Bolsonaro sairá menor e derrotado das eleições municipais de 2024. Caminha para derrotas humilhantes em Belo Horizonte, Goiânia e Belém e, possivelmente, duros reveses em Fortaleza, Cuiabá, Niterói e Natal. Perdeu feio no Rio de Janeiro e no Recife e não se pode dizer que tenha vencido em Salvador. Açulada pelo derrame de dinheiro e pelo extravasamento de ódio da Era Bolsonaro, a direita brasileira se converteu em “direitas do Brasil”. Não está unida. É por essa senda da desunião que as esquerdas têm de se reunificar conduzidas pela liderança sábia e serena de um Lula que dá sinais de exaustão na metade de seu terceiro mandato presidencial. Só ele, entretanto, tem capacidade para reunir as esquerdas ao centro fazendo o país convergir de novo para um projeto de salvação nacional. Para isso, tem de agir com rapidez, assertividade, firmeza e foco.

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LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 55. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem três volumes lançados. Haverá um 4º e último volume). Também são de sua autoria "O Vendedor de Futuros", um perfil biográfico do empresário Nilton Molina e "O Procurador", livro-reportagem que mergulha nos meandros do Ministério Público e nas ações da PGR durante o período de Jair Bolsonaro (2019-2022) na Presidência da República.

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