Para quê e por que 2º turno? Bolsonaro merece isso?

Por Luís Costa Pinto

Vencer em turno único uma eleição presidencial programada para ter dois turnos em um País cujo eleitorado total é de 156,45 milhões (Brasil, 2022) é missão hercúlea possível, mas, improvável. Ressalvado o ponto, urge dizer: a Democracia brasileira exige a quebra dos paradigmas de improbabilidade no domingo, 2 de outubro.

            Por que, e para quê, ter um mês mais de campanha se a derrota de Jair Bolsonaro já está encaminhada? Há uma estafa visivelmente patente no País. Cansamos de tanta estupidez, vagabundagem, burrice, sordidez, incompetência e inação na presidência da República. Dia desses escutei um advogado de Brasília, um homem na faixa dos 60 anos, conservador, alguém que nunca votou no PT ou em petistas, que vai “votar 13” já no dia 2 de outubro.

            – Por que? – quis saber.

            – Porque não suporto mais sequer olhar a figura pérfida do Bolsonaro. O Brasil parou, viramos um nada no mundo, esse cara não sabe o que fazer com nada e tem um bando de inconsequentes com ele.

            Espantei-me com a resposta, sorri, disse que ele estava certo e perguntei pelo pai dele. Também advogado, já nas franjas dos 90 anos, o pai desse meu amigo é igualmente conservador e em seus tempos áureos e produtivos em Brasília foi muito consultado pela centro-direita e por militares.

            – Papai? Vai votar e vota Lula. Já no 1º turno.

            Dobrei o espanto.

            – Seu pai? Sério?

            – Pelos mesmos motivos meus: não suporta sequer imaginar a possibilidade de alguém como Bolsonaro ficar mais um minuto sequer na Presidência.

            Sorrimos cúmplices. Pela primeira na vida, em mais de 30 anos de amizade, pensávamos igual em relação a um tema político. Variações dessa conversa (com a mesma conclusão) ocorreram comigo, nas últimas semanas, com outros interlocutores: dois médicos, um biomédico, uma estudante que fará o Enem este ano, um engenheiro, uma pedagoga e uma diarista. Todos, de formas diversas, dizem estar exaustos das calhordices e da divisão bolsonaristas. Nenhum deles está confortável em viver num Brasil dividido por rios de ódio e de insensatez. Para quê dar mais quaisquer chances a Bolsonaro?, perguntam-se.

            – Para nada! – apresso-me sempre em responder. E peço: – Vota no Lula, já, no dia 2. Para a gente antecipar a transição, que não será fácil. Para a gente passar a discutir o futuro do País, e não ódios subalternos que nem sabíamos que tínhamos e só emergiram por causa da vilania e da perversidade desse energúmeno acanalhado que é Jair Bolsonaro.

 Instituída pela Constituição de 1988, a determinação do 2º turno para cargos executivos estreou na eleição presidencial de 1989. Em oito pleitos, só deixou de ocorrer o segundo escrutínio para definir o presidente da República em 1994 e em 1998. Eram disputas atípicas e não guardam muitas relações com o momento atual. Em ambos casos o vitorioso, Fernando Henrique Cardoso, liderava a disputa com ampla margem à frente dos adversários, tinha a máquina de governo nas mãos e pedia votos vendendo a esperança de um Brasil melhor e unido caso vencesse.

 Em 1994, 11 candidatos disputaram o 1º turno. Fernando Henrique obteve 54,2% dos votos válidos (34,3 milhões de votos) e venceu esgrimindo notas de Real, a moeda brasileira que havia sido recém-criada em maio daquele ano com a missão de pôr fim à hiperinflação e reorganizar a economia do País. Lula foi o segundo colocado com 27% dos votos (17,1 milhões de votos) e o bizarro Enéas Carneiro, um folclórico e nocivo personagem de extrema-direita que flertava com o fascismo (assim como Jair Bolsonaro) ficou em terceiro lugar com 7,38% dos votos concorrendo pelo obscuro e fascistóide “Partido da Reedificação da Ordem Nacional” (Prona).

A votação de Enéas superou a de políticos tradicionais montados em estruturas partidárias muito mais consistentes do que as dele quando não existiam as redes sociais e a Internet. Assim, o tempo de rádio e TV para fazer campanha e a capilaridade e consolidação dos partidos era relevante. O extremista do Prona obteve mais votos que Orestes Quércia (PMDB, ex-governador de São Paulo) que fechou a eleição com 4,38% dos votos, Leonel Brizola (PDT, ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro), que ficou com 3,19% e Esperidião Amin (PPR, que viraria o PP atual, que era senador e havia governado Santa Catarina), com 2,75%.

Vitorioso no 1º turno em 1994 contra um rol tão significativo de adversários – Lula, Quércia, Brizola, Amin e até o cacareco extremista de direita, Enéas, entre os 11 candidatos – Fernando Henrique poderia ser considerado o incumbente do poder instituído ali. Ele sequer escondia o papel de tutela que cria ter sobre Itamar Franco, o presidente de fato.

Em 1998, depois da instituição da reeleição com uma emenda constitucional polêmica aprovada dois anos antes sob o estigma da compra de votos no Congresso promovida pelo Palácio do Planalto, Fernando Henrique Cardoso a reeleição (a primeira campanha de renovação sucessiva de mandato registrada na nossa História) em situação diversa. Tinha o poder, a caneta e os instrumentos administrativos para se impor ante os adversários. Contudo, o Plano Real fazia água e o mundo passava por crises financeiras intensas na Ásia. “Somos a bola da vez”, diziam dez de cada dez economistas ouvidos. A moeda brasileira estava artificialmente sobrevalorizada ante o dólar norte-americano, a inflação rompia as metas do Banco Central, investidores fugiam do mercado financeiro e a taxa de juros subia mês a mês.

FHC era o incumbente num governo em destroços. Porém, era o governo dele. Garroteando o real sobrevalorizado e passando o chapéu junto ao Fundo Monetário Internacional e ao Tesouro dos Estados Unidos, onde o presidente Bill Clinton não escondia de ninguém que era estratégico ajudar o colega brasileiro para vê-lo reeleito, Fernando Henrique foi reeleito com 53% dos votos (35,9 milhões de votos) em turno único. Lula dicou em segundo com 31,1% dos votos (24,7 milhões de sufrágios) e Ciro Gomes, com 10,9% dos votos (7,42 milhões) foi o terceiro colocado. Com pouco mais de 2% dos votos Enéas Carneiro desidratou viu a extrema-direita ser em larga medida assumida pela centro-direita ora no poder.

Meses depois, em 14 de janeiro de 1999, FH promovia o estelionato eleitoral menos relatado e estudado da crônica política brasileira: desvalorizou a moeda nacional em 40% com a desastrada implantação da “banda cambial hexagonal endógena”, logo abandonada, e alçou os juros a uma escalada estratosférica que os fez atingir a taxa de 45% ao ano. O presidente havia conseguido a façanha de convencer a população de que merecia um novo mandato para corrigir os erros do anterior, e fez por onde obter um voto de confiança. Quebrou o País mais de uma vez, encomendou o epitáfio de sua gestão que viria a ser o racionamento de energia elétrica ocasionado por falta de investimentos, mas, reelegeu-se.

E agora, em 2022, 24 anos depois daquela passagem que não recomenda em nada a biografia política de FH, contudo, era alguém da estrutura política e intelectual de um Fernando Henrique Cardoso, pergunta-se: por que e para quê ampliar a agonia brasileira em um mês, protelando o resultado da eleição – todos sabemos que Lula sairá vitorioso das urnas – e correndo o risco de aventuras arriscadas cometidas por militares em desespero? Especular com a possibilidade de retardar o resultado só confundirá ainda mais o jogo político e atrasará o pacto urgente que o Brasil precisa fazer consigo a fim de limpar os escombros do bolsonarismo para reconciliar os seus cidadãos, as suas cidadãs e restaurar a esperança de que ainda possamos ter uma Nação.

Não procrastine, não tergiverse: dia 2 vote 13, Lula, porque o Brasil ser religado e restaurado o mais rápido possível. O resto, é o futuro. Quem sabe o que vivemos, faz a hora – e a hora é agora.

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LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 55. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem três volumes lançados. Haverá um 4º e último volume). Também são de sua autoria "O Vendedor de Futuros", um perfil biográfico do empresário Nilton Molina e "O Procurador", livro-reportagem que mergulha nos meandros do Ministério Público e nas ações da PGR durante o período de Jair Bolsonaro (2019-2022) na Presidência da República.

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