A tragédia gloriosa que Trump protagoniza tem fim previsível: o dele, numa “Operação Valquíria”

Em 1943, oficiais rebeldes da Wermacht, as Forças Armadas nazistas, planejaram um golpe de Estado e o assassinato de Hitler. Deu errado. Foi a tragédia. Agora, a História se repete como farsa?

Por Luís Costa Pinto

Dará errado, e isso está escrito no Livro dos Destinos da História. Mas, inculto e incivil, aético e amoral, Donald Trump teimou em se meter a cavalo do cão nos primeiros dias de retorno ao Salão Oval da Casa Branca na condição de presidente da república dos Estados Unidos da América.

  • Impôs tarifaço ao aço e ao alumínio comprados do Canadá, do Brasil, do México e da Europa por indústrias norte-americanas: colherá num primeiro momento a paralisia de cadeias produtivas e a alta de preços de produtos manufaturados no mercado interno.
  • Bravateou a anexação da Groenlândia, do território canadense e do Panamá: excetuando-se o acadelado governo panamenho, assistiu a fortes reações no vizinho do Norte e entre os europeus, sobretudo do Reino da Dinamarca, que detém o controle territorial da Groenlândia. Em situações de crise militar e emergência de segurança como aquelas vividas na esteira dos atentados infames, Canadá, Europa Ocidental e mesmo as grandes nações da América Latina sempre foram aliados de primeira hora na reação a ataques.
  • Soltou ao vento a idiotia de anexar a Faixa de Gaza aos territórios ultramarinos dos EUA e construir resorts para a choldra de obesos mórbidos produzidos pelo american way of life em escala industrial no território onde se deve erguer o Estado Palestino para consumação de uma justiça histórica e instituição do equilíbrio macropolítico regional.
  • Determinou a saída dos EUA da Organização Mundial da Saúde e do Conselho de Direitos Humanos da ONU, rompendo um pacto de apoio às causas humanitárias e às agendas civilizatórias que vinha desde o início da reconstrução dos valores da humanidade no pós-2ª Guerra Mundial.
  • Expediu aviso prévio para cerca de 2 milhões de funcionários públicos federais e iniciou o processo de demissão de toda essa massa de americanos – lá, não há a estabilidade do funcionalismo público como cá, ou em diversos países europeus mais… humanizados e estáveis… como França, Alemanha e Itália, por exemplo. As Forças Armadas e os órgãos de inteligência não foram incluídos no furacão demissional. Trump vai precisar deles, afinal, para se manter no poder quando o pega-para-capar se iniciar na sociedade incendiada desses tempos tão estranhos: apenas 25% dos mais de 2 milhões de demitidos serão recontratados, no mais radical dos enxugamentos da máquina pública dos Estados Unidos em toda a História. Faltará quem aperte as carrapetas para manter a estrutura de Governo andando.
  • Já começou a enviar para os campos de concentração de Guantánamo e para os quintais desumanos de El Salvador, país controlado pelo facínora Bukele, imigrantes que tentaram entrar ilegalmente em território norte-americano e também americanos natos que cometeram crimes inafiançáveis: ou seja, iniciou um novo processo de expatriação de degredados como aquele a que assistimos entre o fim da Idade Média e a alvorada do Renascimento. Isso tudo, sob uma moldura nazifascista dos campos de concentração do Eixo (derrotado com o concurso fundamental e civilizatório da América quando lá era o ponto de inspiração das sociedades democráticas do Ocidente, a outrora “Terra da Liberdade”).

Em seus escassos 20 dias de segundo (e último) mandato à testa da Presidência dos EUA, Donald Trump pôs em curso uma agenda compactada de uma década de regime nazista na Alemanha de Adolf Hitler. Tamanha ansiedade e furor para estabelecer cortejo singular de destruição de atos que buscam demolir o Estado Democrático de Direito emula a trajetória facínora do único e nefasto führer alemão. Porém, Hitler consumiu seis anos no processo de desmonte das estruturas basilares da República da Alemanha e jamais precisou vencer eleições para galgar poderes e desmantelar as instituições republicanas.

Trump sucedeu a um presidente fraco, Joe Biden, que comandou um dos mais exitosos mandatos presidenciais americanos do ponto de vista da economia popular e da geração de empregos. Nunca antes na História daquele país se criou tanto emprego, em tão pouco tempo, quanto nos quatro anos de Biden e Kamala Harris. Porém, o americano médio não via a realidade à palma de seus olhos porque estava já doentiamente fanatizado pelo processo de deturpação da realidade promovido por Trump, Elon Musk, Mark Zuckeberg, Steve Banon, J. D. Vance et caterva. Foi assim que chegamos até aqui, a essa quadra sinistra e esquisita de nossa trajetória sobre a mal sinada Terra.

Adolf Hitler ascendeu ao poder em 1933, à guisa de votos, como chanceler do presidente Paul von Hindenburg. Já doente, Hindenburg foi cedendo poder e influência ao chefe do Partido Nazista. O incêndio criminoso do Reichstag (o Parlamento da Alemanha), promovido por nazistas e colocado na conta do Partido Comunista alemão em razão de uma “prova plantada” por liderados de Hitler deu a senha ao povo alemão para que as portas do controle do Estado fossem abertas aos hitleristas. Quando o presidente alemão morreu, em 1934, Adolf Hitler autoproclamou-se führer, cargo que não existia, unificando os mandatos de Chefe de Estado, de Governo e das Forças Armadas. Subjugada, a sociedade alemã apoiou-o em grande maioria, demonstrando baixíssimo índice de resiliência democrática. Mas, jamais votou em Hitler para que ele se convertesse em… Hitler.

Entre 1934 e 1939, quando iniciou o processo de expansão territorial da Alemanha e revelou ao mundo a perseguição implacável e desumana ao povo judeu, o führer tratou de desmontar as bases institucionais da República Alemã. Novamente, frise-se: sem ter de se preocupar em fazer maioria no Parlamento, sem disputar eleições, dobrando os joelhos do Judiciário alemão, com o concurso complacente e silencioso de um empresariado colaboracionista e tão criminosamente culpado quanto ele próprio. Devastado pela hiperinflação do período entreguerras, com uma economia doméstica destroçada pelas imposições reparatórias da Liga das Nações, o povo alemão deixou-se subjugar. Em larga medida, para muitos, não era apenas o mais fácil: era a vingança que batia às portas, e eles a acalentaram e a executaram. Aqui, neste ponto exato, reside a diferença entre a trajetória de ascensão do nazismo na Alemanha e a farsesca redenção de um nazismo com pretensões expansionistas parece querer renascer nos Estados Unidos da América sob a liderança grotesca de Donald Trump.

A proatividade cínica, idiota e recessiva e reacionária dos atos econômicos de Trump vão incinerar a economia norte-americana. Em breve, ainda este ano, o país se verá isolado nas correntes de comércio e a economia local não tem força para se reerguer sozinha, sem acordos de cooperação e sem revisões das sanções tarifárias. Trump faz o que faz porque tem nas mãos o controle do Congresso, com maioria bestial do Partido Republicano nas duas casas. Porém, haverá eleição legislativa em menos de dois anos. Trump não tem a “fortuna” de Hitler, de dispensar o apoio popular formalizado no ato do voto. Em dois anos, sob a demolidora “Doutrina Trump”, os EUA serão um barril de pólvora de conflitos sociais e a economia estará em ruína. Algo como a Operação Valquíria terá sido tentado nos EUA, como foi na Alemanha de Hitler, para preservar a estrutura do Estado à revelia da existência do “líder” que fanatizou e destruiu o país. A democracia e o Judiciário norte-americanos precisam resistir até as urnas de 2026, quando a reconstrução das bases da sociedade liberal dos EUA começará a se dar a partir das urnas que derrotarão Trump. Esse o cenário do momento, é o quer é possível ver daqui, de 20 meses antes da eleição capital nos EUA, torcendo para que haja fôlego e resiliência na alma democrática minoritária de uma América perplexa.

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LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 55. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem três volumes lançados. Haverá um 4º e último volume). Também são de sua autoria "O Vendedor de Futuros", um perfil biográfico do empresário Nilton Molina e "O Procurador", livro-reportagem que mergulha nos meandros do Ministério Público e nas ações da PGR durante o período de Jair Bolsonaro (2019-2022) na Presidência da República.

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