Ou o presidente extermina as saúvas do micropoder que tomaram conta dos gabinetes palacianos, ou as saúvas vão derrotá-lo, aprisionar o Governo, desmontar o PT e destruir o país devolvendo o poder ao extremismo radical
Por Luís Costa Pinto
Nos palácios, uma das mais perniciosas figuras a cercar um governante é o áulico. É fácil identificá-los: são aquelas personagens que andam sempre com spray cintilante para dourar quaisquer pílulas que lhes apareçam pela frente. Quando veem uma crítica, desviam-na do chefe ainda que palavras duras ditas tempestivamente sirvam de advertência antes do cometimento de erros. “Proteja-me dos amigos. Prefiro os adversários leais e honestos a um rol de puxa-sacos”, pediu-me certa vez o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, quando falávamos sobre a estrutura de campanha presidencial que ele estava começando a montar em 2014.
Mas, há coisa pior que o áulico palaciano: é o puxa-saco que, além de sê-lo, agrega ao defeito de caráter que lhe veio de fábrica (como item de série) uma inclinação para ter ideias próprias e um indisfarçável foco no próprio umbigo. É o áulico egoísta e com atitude. Nesse Governo Lula 3, infelizmente, o Palácio do Planalto e o Partido dos Trabalhadores estão repletos deles.
Ante a parvoíce e a apatia crítica da Comunicação Pública, que não consegue dar destaque e relevância aos méritos e sucessos de políticas de Estado que mitigam injustiças sociais e repõem o país no caminho do republicanismo depois da associação criminosa e trágica dos períodos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, os áulicos-com-atitude da Secom (sejam funcionários administrativos, como o próprio ministro Paulo Pimenta, sejam terceirizados pela empresa de comunicação que os atendem) seguem procurando os próprios demônios em inimigos imaginários na mídia tradicional e tentando cooptar formadores de opinião da mídia digital independente. São incapazes de sistematizar reflexões e fazê-las servir pragmaticamente à necessária reorientação de rumo do que foi feito até aqui e permanecem prisioneiros do erro capital de servir antes o ministro de Estado da Comunicação de Governo, que tem um projeto pessoal no Rio Grande do Sul, e só acessoriamente ao presidente da República.
Já o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, envergou a fantasia de Rolando Lero, do humorístico “Escolinha do Professor Raimundo”, e saiu-se com a explicação que segue ao ser perguntado se as urnas do primeiro turno haviam dado um duro recado ao Governo, ao PT e às esquerdas: “Lideranças que compõem essa frente ampla do Governo, que apoiam o presidente Lula, que apoiaram o presidente Lula no primeiro, no segundo turno das eleições de 2022, derrotaram os ícones da extrema direita”. Padilha, que foi um excepcional ministro da Saúde de Dilma Rousseff, que é um dos bons quadros do PT pós-sindical, não ajuda o presidente Lula, nem seu partido, nem a esquerda brasileira, interrompendo o urgente processo de compreensão da realidade para que se possa agir antes do desastre final. Assistir às forças democráticas perderem a eleição de 2026, quando mais uma vez o Brasil vai se deparar com o fantasma da ascensão vertiginosa do extremismo de direita radical, distribuidor de ódio e adulador de perversidades, será desastrosamente trágico.
Esconder os fatos ou esconder-se dos fatos não é comportamento nem inteligente, nem aceitável, em lideranças políticas. O Governo, o PT e a parcela mais afável e democrática da sociedade brasileira foram derrotados pelas urnas do primeiro turno das eleições municipais brasileiras de 2024. Esse seguirá sendo um dado da realidade mesmo que Guilherme Boulos vença o ventríloquo de fascistas e trânsfuga da decência que é Ricardo Nunes em São Paulo, ou Evandro Leitão destroce eleitoralmente o cretino abjeto do André Fernandes em Fortaleza, ou, ainda, que em doces e inesperadas traições da História, Natália Bonavides e Maria do Rosário espicacem seus adversários que passaram ao segundo turno em condições bem mais favoráveis do que essas duas valorosas parlamentares das maltratadas hostes de esquerda no Parlamento. O PT foi varrido das prefeituras em São Paulo – no máximo, caso vença o 2º turno em Mauá e Diadema, fará meia dúzia de alcaides no estado mais populoso e mais rico do país. Dos 248 petistas eleitos no último dia 6 de outubro, 149 se concentram em apenas três estados do Nordeste – Ceará, Bahia e Piauí. O Psol, partido de Boulos, não elegeu ninguém – nenhum candidato vitorioso nos 5.569 municípios – no 1º turno e está refém, agora, de seu principal quadro. Na Bahia, estado governado pelo PT há 18 anos (serão 20 anos em 2026), o partido segue sendo humilhado na capital, Salvador, e desta vez foi escorraçado em Vitória da Conquista e Feira de Santana, por exemplo, e assiste às suas duas maiores expressões políticas – o ministro Rui Costa e o senador Jaques Wagner, ambos ex-governadores – digladiarem nos bastidores, brigarem por carguinhos de governo local e submeterem o governador Jerônimo Rodrigues a receber protestos com ovos atirados contra si por petistas.
Ou o presidente Lula extermina as saúvas do micropoder que tomaram conta dos gabinetes palacianos e da estrutura partidária dando azo ao aulicismo, às vaidades vãs, ao ativismo vazio dos despreparados e ao egoísmo dos pequenos, ou as saúvas vão derrotá-lo internamente, aprisionar o Governo, desmontar o PT e destruir o país devolvendo o mecanismo de operação de poder ao extremismo radical do bolsonarismo, do banditismo de novos “Pablos Marçal” que surgirão, de aventureiros de plantão.