Derrubar Ciro Nogueira é chave para chegar ao núcleo operacional do bolsonarismo

Ministro da Casa Civil planejou ser o dono do “Orçamento Secreto” por dois anos e depois se venderia como fiador da transição democrática para o novo presidente que sairá das urnas – e Lula era nome único na cena eleitoral quando o senador pelo Piauí e presidente do PP aceitou o cargo a convite de Bolsonaro. A recuperação sazonal da avaliação de governo, contudo, mudou o direcionamento da biruta de Ciro Nogueira. Atingi-lo, enfraquecê-lo e derrubá-lo com as novas denúncias de corrupção que surgem aos aos borbotões é estratégia central da ação da oposição de centro-esquerda.

Em 1993, apenas um ano depois do impeachment de Fernando Collor (1º presidente eleito diretamente depois de derrotada a ditadura militar) e menos e cinco anos após a promulgação da Constituição de 1988 por meio da qual o Congresso reconquistou protagonismo político e poder sobre determinações e diretrizes do Orçamento da União, estourou o escândalo celebrizado como “Anões do Orçamento”. A partir dele, descobriu-se que o Poder Executivo não queria abrir mão de suas prerrogativas orçamentárias pela o Legislativo. João Alves, um antigo parlamentar baiano, de origem na Arena e no PDS, siglas que haviam dado sustentação à ditadura, cujos mandatos se sustentavam no comissionamento por emendas apresentadas aos municípios de sua área de influência na Bahia e ao controle férreo da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional havia anos, era o centro de todo o esquema. Integrante do baixíssimo clero parlamentar, Alves nunca quis ou buscou protagonismo federal. Com sua baixa estatura – menos de um metro e sessenta – cabelos negros sempre pintados e gomalinados, unhas cortadas e polidas com base incolor e andar que remetia imediatamente ao personagem Pinguim, da série de TV do Batman (aquela cujo astro era Adam West), João Alves se comprazia do micropoder que detinha entre deputados e senadores, que se convertia em enorme poder financeiro de negociação de emendas e revertia em lucros com comissões diversas a partir de obras variadas espalhadas pelo Brasil. Desde a posse de Collor, em 1990, ele havia feito um acordo no Ministério do Planejamento (a quem cabia dar as diretrizes orçamentárias) para que as emendas de seu interesse saíssem carimbadas e determinadas para a Comissão do Orçamento, no Legislativo. Como presidente eterno da CMO, a missão dele era não deixar os colegas deputados e senadores mexerem no que já estava definido a partir do governo – e isso não o expunha nem aos seus interesses. Tudo funcionou bem, e gerou milhões de dólares em propina, até o momento em que a cobiça de um assessor parlamentar concursado, José Carlos Alves dos Santos, ao se ver ante um volume de dinheiro que não conseguiria amealhar com o salário de burocrata de Estado (ter Alves dos Santos como cúmplice operacional na Comissão de Orçamento era essencial para o modus operandi do deputado João Alves, pois o técnico era o executor “de fato” da máquina orçamentária e cabia a ele definir as emendas a serem votadas na confusas sessões da CMO). Apressado para mudar de vida em paralelo aos vertiginosos ganhos financeiros, o assessor parlamentar começou a trair a mulher – uma secretária do Ministério da Educação, a quem cabia definir as verbas a serem alocadas para escolas em todo o País – e depois resolveu matá-la e enterrar o corpo embaixo de uma das pontes de Brasília a fim de casar com a amante. O corpo da secretária do MEC Ana Elizabeth Lofrano foi descoberto pela Polícia Civil, José Carlos foi preso, o esquema dele com a principal amante – aluna dele num curso de Direito – emergiu e o assessor parlamentar entregou todo o sistema de corrupção dos Anões do Orçamento chefiado pelo emblemático José Carlos Alves dos Santos.

A remissão ao maior processo de faxina antipropina que o Congresso já viveu faz-se necessária porque o atual escândalo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) guarda imensa similitude com ele e diz respeito à forma como o senador Ciro Nogueira opera o poder que reúnem em suas mãos. Além de ter indicado o presidente do FNDE, Marcelo Ponte, que foi seu chefe de gabinete, Nogueira é presidente do mais influente partido do Centrão e da base do governo (o PP, detentor da tecnologia de entrar em todos os governos, independente da orientação ideológica deles, e operá-los por meio de chantagem), reuniu o poder e a influência da caneta e da chave do cofre nos poderes Executivo e Legislativo, além da ascendência intelectual sobre o presidente da Câmara, Arthur Lira. Cercar, acantonar, constranger e derrubar Ciro Nogueira é chave para quaisquer ações da oposição como ato de pleno exercício parlamentar e, também, como estratégia de campanha num ano eleitoral que será acirradíssimo e tem a reeleição como meta essencial para Bolsonaro seguir o caminho de transformação do Brasil numa autocracia de joelhos ao clã familiar dele.

Esta curta semana que antecede o feriado da Semana Santa será, sem dúvidas, a “semana Ciro Nogueira”. O senador piauiense se empenhou no fim de semana e conseguiu que três colegas de Senado, Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Styvenson Valentim (Podemos-RN) e Weverton Rocha (PDT-MA) retirassem as assinaturas do pedido de CPI do FNDE apresentado por Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Constrangido pela dinâmica eleitoral em seu estado, onde é candidato a governador, e pelo PDT, que precisa dar a Ciro Gomes um discurso de oposição para seguir tentando vingar como alternativa presidencial, o maranhense Rocha deverá repor o jamegão no pedido de Randolfe. Senadores que não tinham assinado o requerimento de CPI, como José Serra (PSDB-SP), em fim de mandato e com uma biografia política iniciada justamente na União Nacional dos Estudantes e na resistência à ditadura, e o senador Otto Alencar (PSD-BA), que terá o apoio do PT na tentativa de reeleição ao Senado, irão assiná-lo. A aposta que se faz aqui: na 4ª feira, 13 de abril, Randolfe porá sobre a mesa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), um requerimento com o número necessário de assinaturas para a CPI do FNDE. Pacheco, que é refratário às CPIs porque sabe que elas reduzem e desidratam absurdamente o poder midiático dos presidentes do Senado e viveu essa experiência na CPI da Covid, tem dito que irá se deter sobre o “fato determinado” exigido pelo Regimento Interno do Senado e pela Constituição para a criação de comissões parlamentares de investigação. Ao falar isso, ele concede um alento aos governistas. Contudo, o argumento não quedará suficiente para arquivar o pedido de Randolfe Rodrigues. A alocação de verbas para a Educação é determinação constitucional. A Constituição determina o percentual obrigatório de recursos dos repasses… constitucionais!… que os municípios têm de alocar para a área. O Senado é a Casa da Federação, ou seja, é a “Câmara Alta” do Parlamento aonde são discutidos os temas federativos. Ao permitir que pastores indicados pelo presidente da República (Jair Bolsonaro) se comissionem com barras de ouro e pixes para fomentar e lubrificar a liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (cuja formação de caixa se dá, sobretudo, pela cobrança do Salário Educação de todas as empresas e trabalhadores brasileiros, logo, é recurso público), ou deixar que deputados e senadores troquem votos no Congresso por liberação de recursos que apenas abrem “janelas orçamentárias” (é disso que se trata ao criar artificialmente 2.000 obras de escolas que não existem, deixando de alocar 98% dos recursos necessários a elas e dando apenas o discurso político de que tais ou quais obras foram lançadas no Orçamento e empenhadas), está dado o fato determinado. E ele é constitucional. A CPI do FNDE será criada, e será uma bomba no colo do governo. O disjuntor capaz de ligar ou desligar o circuito explosivo desta bomba chama-se “Ciro Nogueira”.

Em 1999, ao virar ministro da Casa Civil de Fernando Henrique Cardoso substituindo Clóvis Carvalho, amigo pessoal de FHC e da 1ª dama Ruth Cardoso, que caíra em desgraça depois de criticar duramente o ministro da Fazenda Pedro Malan, o sofisticado burocrata público Pedro Parente disse em seu discurso de posse que “nós, ministros, somos como fusíveis. Quando há um problema no Palácio do Planalto, temos de queimar, para que não se queime todo o circuito de governo”. Ciro Nogueira foi convidado para assumir a Casa Civil no momento de maior fragilidade política de Jair Bolsonaro, entre o fim de julho e o início de agosto do ano passado. Depois de falar mais um caminhão de bobagens e boçalidades antidemocráticas, tendo demitido o ministro da Defesa e se vendo abandonado pelos comandantes militares, mas, flertando com um golpe de Estado que pretendia perpetrar em 7 de setembro, Bolsonaro sentiu o cheiro do impeachment no cangote. Precisava de uma aliança que deixasse o Congresso em suas mãos – sobretudo a Câmara dos Deputados, a quem cabe votar as licenças para início da tramitação do impeachment. Em viagem pelo México com dois amigos empresários, divertindo-se em Cancún, Nogueira recebeu o telefonema do presidente da República. Esperava ouvir dele satisfações sobre uma reclamação política que fizera: o governador do Piauí, Welington Dias (PT), seu adversário político, estava tendo acesso a verbas de repasses orçamentários e, com eles, tratava de pôr de pé promessas de campanha. No lugar de apenas atender o pleito de Nogueira, que era bloquear os recursos para Dias, Bolsonaro o convidou para a Casa Civil e prometeu entregar-lhe a caneta das emendas parlamentares, a chave do cofre das liberações e a prancheta para desenhar a arquitetura política da fuga do impeachment e da construção de uma candidatura de reeleição competitiva baseada no toma-lá-dá-cá que a língua universal compreendida pelo Centrão em administrações de todos os matizes ideológicos. Ciro Nogueira gostou da empreitada, topou o desafio, entregou a 1ª parte da missão – não haveria impeachment, ele seria o fiador de Lira naquela promessa – e ganhou gosto e tração dentro da máquina de governo. Até janeiro, Nogueira não acreditava na possibilidade de reeleição e deixava claro para os interlocutores que estavam ancorados em outros espectros políticos que seria o “general da transição”, ou seja, o homem que entregaria a chave do Palácio do Planalto e a poderosa caneta presidencial (que já estava sequestrada por ele) ao sucessor eleito em outubro. Àquela altura, dizer que Lula se elegeria no 1º turno era “pule de dez” nas casas de aposta de Brasília e da Avenida Faria Lima, em São Paulo. Lula continua favorito. Porém, Bolsonaro ganhou corpo e se consolidou como único nome a confrontá-lo. O pleito presidencial segue tendo altíssima possibilidade de se resolver em um turno apenas. O que mudou? cevado pela nuvem da recuperação de avaliação de governo, Jair Bolsonaro pode apertar a disputa se permanecer pautando a opinião pública com a mentira de que não há corrupção em seu mandato. Há. A maneira mais rápida de expô-la, agora, é expor Ciro Nogueira e o esquema do FNDE – tanto o dos pastores corruptores quanto o dos prefeitos e parlamentares que se deixam corromper pelas “janelas orçamentárias”. Em razão disso, cercar, acantonar, esmagar e derrubar Ciro Nogueira é o melhor caminho, neste momento, para abrir flancos na defesa e na campanha bolsonarista. A CPI do FNDE se impõe pelos casos de corrupção e por esses motivos.

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LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 55. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem três volumes lançados. Haverá um 4º e último volume). Também são de sua autoria "O Vendedor de Futuros", um perfil biográfico do empresário Nilton Molina e "O Procurador", livro-reportagem que mergulha nos meandros do Ministério Público e nas ações da PGR durante o período de Jair Bolsonaro (2019-2022) na Presidência da República.

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