Por Luís Costa Pinto
Candidato a presidente da República pelo PDT, Ciro Gomes alimenta a expectativa de ser beneficiado com migração de intenções de voto nas próximas pesquisas pré-eleitorais depois da saída de cena da campanha presidencial do ex-juiz Sérgio Moro e do incêndio que consome o ninho tucano. A dinâmica política, contudo, não aponta para um cenário que lhe seja positivo. Depois da desistência de Moro, não ocorrerá movimento significativo favorável a nenhum outro candidato que não seja Jair Bolsonaro. Tentando a reeleição, o atual presidente herdará de imediato algo em em torno de 30% dos índices líquidos de eleitores que, hoje, tendiam a votar no ex-juiz. O ex-presidente Lula, mesmo sendo antagonista direto e histórico do “chefe” da Lava Jato, responsável por influir na eleição de 2018 tirando o petista da disputa e agindo diretamente a favor da vitória de Bolsonaro, de quem se tornou ministro da Justiça antes de virar desafeto, herdará cerca de 10% da simpatia dos eleitores que gravitavam em torno de Moro. Metade dos pretensos eleitores do ex-juiz engordará o rol dos indecisos e o restante se diluirá entre Ciro, João Doria, Simone Tebet e André Janones. Sendo assim, nada autoriza a esperança de alavancagem do pedetista e os próximos levantamentos trarão uma disputa ainda mais polarizada entre Lula e Bolsonaro.
Como se crava há algum tempo neste espaço, o pleito presidencial de outubro próximo segue podendo ser resolvido em 1º turno. Contudo, não é certo para que lado do pêndulo: centro-esquerda com Lula ou extrema-direita com Bolsonaro? Haverá espaço para um projeto de reconstrução institucional e de marcos civilizatórios liderado por um ex-presidente da República (2003-2010) que jamais saiu do leito ditado pelo regramento da Carta de 1988, ou o Brasil se entregará de vez à aventura autocrática com tutela militar que desde 2016 testa os limites do sistema de freios e contrapesos da República? É esse o dilema que marca o início formal da campanha presidencial de 2022, e Ciro Gomes tem papel decisivo neste momento.
Equivocado na leitura política, o ex-governador do Ceará crê ser possível ainda pescar votos anti-Lula fora do espectro bolsonarista. Ele não enxergou o estreitamento da margem que tinha para isso. Nos últimos dias, voltou a centrar o fogo de sua campanha nas redes sociais e nas entrevistas, contra o ex-presidente a quem serviu na condição de ministro da Integração Nacional. Ao agir assim, Ciro termina de pôr abaixo até o esqueleto das estruturas da pontes incendiadas por ele mesmo, e que podiam conduzi-lo a algum acordo político elevado com a esquerda e a centro-esquerda depois que se descobrir abandonado pelos eleitores que ainda conserva e que lhe concedem potencial de voto de 8%. Se a eleição fosse esta semana, o resultado real da votação do pedetista se situaria abaixo desse índice, algo em torno de 5% dos votos, porque o eleitor cirista tende a abandoná-lo por pragmatismo na hora H de digitar o voto na urna eletrônica. Exceto em 1998, quando colheu quase 11% dos votos válidos e ficou em 3º lugar numa disputa vencida por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1º turno com 53% dos votos, Ciro Gomes sempre terminou eleições presidenciais com desempenho aquém do que imaginava. Em 2002, foi o 4º colocado, atrás de Anthony Garotinho (PSB, à época), depois de cometer erros de posicionamento político em escala industrial.
Há uma pressão crescente dentro do PDT para que Ciro Gomes abra mão de sua candidatura e apoie a chapa Lula-Alckmin desde o 1º turno, o que pode devolver ao ex-presidente o fôlego necessário para restaurar a aura de “Movimento’ dada à candidatura dele. Ex-prefeito de Niterói e candidato ao governo do Rio de Janeiro, Rodrigo Neves (PDT) passou a ser uma das vozes mais firmes a favor desse plot pragmático na campanha presidencial. Por imposição de Ciro, desde 6ª feira Neves se viu na desconfortável posição de pedir votos para o Cabo Daciolo, candidato cirista ao Senado no segundo maior colégio eleitoral estadual do País. Neves pode abandonar a disputa. A mesma lógica se reproduz em outros palanques estaduais, pressionados pelos candidatos a deputado federal.
A partir desse desentendimento interno no PDT, Ciro começou a apostar as fichas numa aliança nacional com o União Brasil (partido que resultou da fusão do DEM com o PSL), legenda com maior disponibilidade de fundo eleitoral (R$ 700 milhões, em números redondos). Há, contudo, todo um desarranjo de palanques estaduais do União Brasil para que se consume uma aliança ou federação entre as legendas, começando pelo Ceará. O deputado bolsonarista Capitão Wagner, um policial militar sempre combatido pelo clã Ferreira Gomes (família de Ciro), é candidato a governador do estado pelo União Brasil. Em São Paulo, a sigla que surgiu da fusão do DEM com o PSL está fechada com o projeto de Rodrigo Garcia (PSDB). Se no quintal do cirismo as legendas não se entendem, como imaginar que haverá um acordo nacional? Impossível.
Na estreita margem que tem para seguir caminhando como nome nacional, Ciro Gomes tem de olhar o andar acelerado do relógio dos prazos eleitorais. Caso siga resignado a ser candidato a presidente, a tendência é colher um desempenho aquém do ridículo para quem já foi expectativa real de poder (2002, até setembro daquele ano). Caso resolva lançar um olhar pragmático para as chances que tem no tabuleiro em que o jogo dos protagonistas é jogado, Ciro pode renunciar ao personagem anti-Lula que vem envergando e aceitar ser acolhido de volta ao leito da centro-esquerda. Nele, terá um papel a cumprir. Por decisivo, esse papel terá um preço a ser pago, e tal preço pode restaurar alguma relevância – mesmo regional – a Ciro Gomes.