Dois polos e um único extremista em cena

Por Luís Costa Pinto

Jair Bolsonaro busca segundo mandato para fugir das imputações legais que podem levá-lo à cadeia e a se tornar inelegível em pleitos futuros em razão de atos e omissões cometidos na carreira política — como deputado e como presidente. Há indicações evidentes de que, derrotado nas urnas, as tentações autoritárias de se perpetuar no poder precisarão ser contidas. Polarização entre ele e Lula é evidente. Contudo, só há um candidato antidemocrático e extremista na disputa: o atual presidente da República.

Em 1984, ao ver derrotada a emenda das Diretas, Já em um Congresso formalmente comandado pelo civis do PDS (herdeira da Arena, sigla que assegurara o verniz institucional à ditadura no bipartidarismo artificial brasileiro), mas controlado pelos militares, a esquerda brasileira e, sobretudo, o Partido dos Trabalhadores (PT), flor mais vistosa que nascia no canteiro regado pela resistência ao regime dos generais, reorganizou-se para a luta dentro do estreito leito institucional de então. A trincheira de combate passou a ser, então, a atitude corajosa de confrontar os ditadores e seus “guardas da esquina” por dentro do sistema imposto por eles mesmos: o Colégio Eleitoral que definia em Brasília o nome do presidente da República para períodos de cinco anos de mandato. Com divergências internas entre esquerdistas e no PT, a oposição à ditadura elegeu a chapa Tancredo Neves e José Sarney e abriu a transição democrática como o compromisso de escrever nova Constituição — ou seja, um novo Contrato Social brasileiro. Lula e o PT divergiram de alguns capítulos que consideravam centrais durante o processo constituinte e alguns petistas recusaram-se a assinar a Constituição. A infantilidade petista, grave àquela altura do processo de restauração da democracia, não afrontou, contudo, o processo de reinstitucionalização brasileira — tanto que o PT seguiu construindo seu protagonismo político. Em 1989, a cena eleitoral da primeira disputa presidencial com o voto direto e aberto de os brasileiros aptos a fazê-lo, desde a ditadura iniciada em 1964, foi encerrada com vitória do candidato de extrema-direita, Fernando Collor de Mello, apadrinhado pelo centro e pela direita que se vendia “liberal”, depois de trapaças de campanha executadas com o beneplácito da mídia tradicional do País. Lula e o PT aceitaram a derrota e permaneceram em cena. O impeachment de Collor, em 1992, teve atuação central do Partido dos Trabalhadores e de parlamentares que navegavam como satélites do petismo. Lula converteu-se em interlocutor de Itamar Franco, o vice que ascendeu à Presidência com a deposição de Collor, porém, recusou-se a apoiar formalmente o governo. Em 1994, com a bússola política descalibrada para ler o cenário político e eleitoral daquele momento, o PT e seu criador foram atropelados por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) que pilotava a locomotiva do Plano Real. Os petistas aceitaram a derrota e trataram de construir uma oposição regulamentar e consistente a partir do Congresso: jogavam o jogo da política. Novamente derrotado em 1998 por FHC na primeira eleição brasileira que permitiu reeleição de presidentes, Lula perseverou na estruturação de uma oposição que fosse assimilada por alas conservadoras da sociedade brasileira. Enfim, venceu o pleito de 2002. Antes de sair justificando que teria vencido por causa da inflexão À centro-direita e da Carta ao Povo Brasileiro, necessário reconhecer: o PT constituiu-se me legenda vitoriosa na política brasileira, com um projeto de centro-esquerda, porque soube se conservar no leito democrático, reverenciar a Constituição e seus limites e captar o anseio por esperança. Em 2018 Jair Bolsonaro interrompeu o ciclo vitorioso do PT, quatro vitórias presidenciais consecutivas, a um custo extremamente alto: o custo da paz social, da harmonia entre os poderes, da democracia. É este o cenário que ele deseja conflagrar no País, de novo, a fim de repetir a velha fórmula e colher o mesmo resultado.

Há dois polos disputando a eleição presidencial. Em torno do polo de Lula, gravitam os democratas e aqueles que acreditam no cumprimento de contratos, no respeito às regras estabelecidas para o jogo — e não só o jogo político — e na autodeterminação da sociedade. Em torno do polo de Jair Bolsonaro gravitam os adeptos dos atalhos que facilitam a pilhagem das leis, das regras, das instituições e do erário público para o beneplácito privado. Líder de um movimento de resistência a tudo o que é obscuro e que cerca Bolsonaro e o bolsonarismo, Lula se converteu em nome único de um projeto de esperança que pode resgatar o Brasil do perigoso leito da autocracia iliberal em que correm nossas águas de uma institucionalidade já turva. Chefe de uma quadrilha de cúmplices e comparsas que se locupleta com o Orçamento da União por meio de emendas secretas e por ações de lobby que não respeitam nem a Bíblia nem a fé dos brasileiros, Bolsonaro é o antagonista da esperança e de quem acredita na democracia, apesar de suas imperfeições.

A eleição de 2022 vai ser decidida entre Lula e Bolsonaro, e talvez já em turno único, a 2 de outubro, salvo a ocorrência de uma tragédia inédita e até aqui impensável. Por inédita e impensável, não há capacidade para tecer conjecturas em torno do que poderia ser isso. Entretanto, ante a esqualidez de popularidade e o vigor da rejeição a outros nomes colocados na cena do pleito, pode-se cometer o vaticínio: o pleito presidencial de 2022 apresentará daqui para a frente uma tendência de fortíssima polarização entre o ex-presidente Lula e o atual presidente Jair Bolsonaro. O espólio de votos do ex-juiz Sérgio Moro, que largou a disputa em manobra tão atabalhoada quanto esperada, será dividido em partes desiguais entre “não voto/nulo/branco” e Bolsonaro, em maior medida, Ciro Gomes, em parcela superior (contudo, ínfima) à de Lula. Simone Tebet (MDB) herdará mais votos que o petista. Ainda assim, nem Ciro (PDT), nem Tebet, nem mesmo João Doria (PSDB), que enfrenta uma guerra civil em seu partido, reúnem condições de se alavancarem como ameaça à forte polarização Lula x Bolsonaro.

Não é crível que o ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) possa se tornar personagem central nesta campanha. Leite flertou com a irresponsabilidade de se amarrar aos grilhões da deslealdade — e essa bola de ferro já afundou muitas biografias nascentes na política. A senadora Simone Tebet, dentre todos os nomes postos como polo de convergência do pequeno rol de dissidentes da polarização Lula x Bolsonaro, é quem tem maior leveza para navegar na campanha atraindo apoios — embora as condições de navegabilidade deste mar não estejam dadas ainda, e nem seja certo que em algum momento assim as coisas se darão. Não há como camuflar o teatro de operações da guerra eleitoral: ele está definido entre os dois polos em disputa. Contudo, só há um extremista em cena: Jair Bolsonaro, representante da extrema-direita iliberal, autocrática, antidemocrática e não institucional.

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LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 55. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem três volumes lançados. Haverá um 4º e último volume). Também são de sua autoria "O Vendedor de Futuros", um perfil biográfico do empresário Nilton Molina e "O Procurador", livro-reportagem que mergulha nos meandros do Ministério Público e nas ações da PGR durante o período de Jair Bolsonaro (2019-2022) na Presidência da República.

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