Juntar Lula e Tasso numa chapa é obra magnífica e possível

Por Luís Costa Pinto

Renúncia, se não for ardil malsucedido como o ocorrido em 1961 com Jânio Quadros, que esperava regressar ao poder fortalecido e sem ter de dividi-lo com os políticos da aliança que levaram à vitória nas urnas, é gesto político que carece de alguma grandeza de quem o pratica.

Desprovido sequer da pequenez moral de Jânio, não esperemos, portanto, quaisquer indicações de Jair Bolsonaro no sentido de trilhar o caminho da renúncia.

Amoral, estúpido, incompetente, inconsequente, desonesto, perverso e vil, ele deixará a faixa presidencial nos escombros do Palácio do Planalto e terá por legado uma Nação em ruínas.

Bolsonaro será derrotado nas urnas de 2022. O bolsonarismo seguirá latente em parte da sociedade brasileira, ameaçando-nos e a esperar outra oportunidade para eclodir da mesma forma como eclodiram os ovos dessa serpente chocados pelo golpe do impeachment sem crime de responsabilidade de 2016.

Um ano nos separa da próxima eleição. Neste momento, o ex-presidente Lula, do PT, é franco favorito para vencê-la. Há espaço para se construir uma vitória em primeiro turno, dado o grau de destruição em que se encontram o País e nossas instituições. A insistência da direita brasileira em seguir com Bolsonaro à frente de um governo ruinoso só é explicável em razão da dilapidação dos cofres públicos com a qual a cessão de sustentação congressual é remunerada.

Derrotar Bolsonaro já no primeiro turno conferirá ao eleito uma legitimidade inigualável à extensa agenda de reconstrução e restauração da normalidade democrática pela qual o Brasil clama. E essa agenda não pode ser vista como capricho de um partido ou de uma liderança: ela é o único caminho capaz de nos devolver racionalidade, esperança, governabilidade interna e credibilidade externa.

A restauração democrática brasileira foi obra do encontro de personalidades diversas que, imbuídos de generosidade e tocados pela urgência da História, revogaram suas divergências transitórias e se uniram pela construção de uma Nação que estava à deriva.

Em 1979, a ditadura militar instalada no Brasil quinze anos antes sob o silêncio cúmplice da sociedade civil e com o beneplácito da maioria das lideranças políticas conservadoras, começou a revelar suas fraquezas quando o senador alagoano Teotônio Vilela rompeu com o atraso atávico da Arena e se filiou ao MDB. Converteu-se, a partir dali, numa das vozes mais firmes na luta pela restauração da liberdade e da democracia.

            Em 1984, a luta por aprovar a emenda constitucional que restauraria as eleições diretas para a Presidência da República só galvanizou todo o espectro de oposição à ditadura quando Tancredo Neves arquivou desentendimentos pontuais com Ulysses Guimarães; Leonel Brizola e Miguel Arraes reviram discordâncias históricas dentro dos movimentos populares; o recém-criado Partido dos Trabalhadores flexionou sua rigidez estéril e passou a integrar o movimento. A exigência “Diretas, Já!” ecoou no mundo. A emenda foi derrotada no Congresso ainda deformado pela ditadura, mas, derrotou os generais por dentro do sistema.

            Em 1985, a candidatura de Tancredo Neves só foi vitoriosa no Colégio Eleitoral criado pelos militares facínoras porque houve grandeza em Ulysses Guimarães ao recuar no propósito de ser ele o nome da oposição à Presidência. E também porque ousaram ser grandes as personalidades políticas conservadoras de nomes como José Sarney, Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães, Jorge Bornhausen e Roberto Magalhães. Egressos da Arena, o braço de suporte congressual dos ditadores, eles seguiram – mesmo que tardiamente – os passos de Teotônio Vilela e racharam a base com a qual Paulo Maluf contava para ser um presidente civil servil aos militares no ocaso melancólico do regime ditatorial.

            Em 1992, por fim, a esquerda e todos os principais atores políticos de lá até a centro-direita marcharam juntos pelo impeachment de Fernando Collor de Mello. Reside nesse detalhe – a união – a diferença salutar e não sutil entre os impedimentos do prosseguimento dos governos de Collor e de Dilma Rousseff em 2016. O impeachment de Collor uniu o Brasil porque se assentava em premissas legais e institucionais. O de Dilma, desuniu o País porque carecia do lastro jurídico.

A ascensão de Bolsonaro ao poder é resultado do erro histórico. Tirá-lo do governo e pôr no lugar um projeto destinado a reconstruir uma Nação que se orgulhava de simbolizar futuro e esperança para todas as outras é missão derradeira da mesma geração que nos ajudou a trilhar o caminho da redemocratização.

É missão para um Luiz Inácio Lula da Silva e um Tasso Jereissati, por exemplo, abraçarem juntos. Por que não? Os dois estiveram juntos e muito próximos entre 1993 e parte de 1994, quando o PSDB de Tasso via distante o projeto de eleger o presidente da República e cumpria a missão partidária de se manter tão perto de Lula que o petista enxergasse só a ele na hora de definir o candidato a vice-presidente. O Plano Real desfez aquelas pontes e Fernando Henrique Cardoso se elegeu em primeiro turno tanto lá quanto em 1998.

Em 2002, Tasso não votou no candidato do partido dele, José Serra, no primeiro turno. Votou em Ciro Gomes, sua cria política. Eleito senador pela primeira vez naquele ano, tampouco se empenhou por Serra no embate final que Lula venceria com folga de votos. Consultado por Tasso, foi o cearense quem estimulou Henrique Meirelles, eleito o deputado federal mais votado de Goiás com 183 mil votos, a renunciar ao diploma político e virar presidente do Banco Central do governo de Lula que se iniciaria em 1º de janeiro de 2003.

Durante os dois primeiros anos do primeiro mandato do petista na presidência, Jereissati se conservou como um abre-alas da interlocução política da área econômica do governo com a oposição no Congresso. Foram inúmeras as vezes nas quais o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e seu secretário-executivo, Marcos Lisboa, além do próprio Meirelles, recorreram ao senador cearense para aprovar no Legislativo temas caros ao Palácio do Planalto comandado pelo petista.

O afastamento entre Lula e Tasso veio com a denúncia do “mensalão” em 2005. A partir dali e até a derrota eleitoral de Jereissati em 2010, um oceano de mágoas derrubou todas as pontes de diálogo construídas entre eles. O tsunami destrutivo “Jair Bolsonaro” juntou os cacos da velha proximidade política e os dois se descobriram mais maduros, mais compreensivos com os caminhos trilhados por cada um de seus grupos e mais dispostos a desempenhar o papel que a História reserva a eles.

Independente dos rumos que o PSDB tomar no processo legítimo e democrático das prévias partidárias, é necessário apostar na possibilidade de uma chapa integrada por Lula e por Tasso. O ex-presidente é muito maior do que os recalques com os quais tentam rotulá-lo. O senador cearense é mais amplo do que seu partido. É preciso arregimentar arquitetos para construir essa ponte, obra de magnífica engenharia política.

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LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 55. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem três volumes lançados. Haverá um 4º e último volume). Também são de sua autoria "O Vendedor de Futuros", um perfil biográfico do empresário Nilton Molina e "O Procurador", livro-reportagem que mergulha nos meandros do Ministério Público e nas ações da PGR durante o período de Jair Bolsonaro (2019-2022) na Presidência da República.

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