Levar a plenário PEC do voto impresso é ideia típica de idiota com atitude

Por Luís Costa Pinto

Em política, ter por aliado um idiota com atitude pode se revelar a antessala do 5º patamar do inferno. Na próxima terça-feira, caso não ocorra um recuo inesperado da estratégia traçada às pressas pelos acacianos conselheiros do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira levará a plenário a decisão de arquivar ou manter a tramitação a proposta de emenda constitucional que obriga a impressão dos votos da urna eletrônica. São necessários 308 votos a favor da iniciativa, em dois turnos, para que ela siga viva como tocha incendiária nas mãos de Jair Bolsonaro. Com ela numa mão, e na outra os despojos da Constituição que rasgou, o presidente inflama a cena política nacional. Todos os muros de contenção de desatinos que foram erguidos nos últimos 33 anos para preservar a Carta Magna de bandoleiros e aventureiros como são os bolsonaristas já ardem em chamas.

            Num esforço de retórica primitivo, como sói acontecer a tudo que é da lavra do parlamentar alagoano, uma espécie de jagunço das volantes de Eduardo Cunha, Lira anunciou que levaria a proposta para ser votada em plenário apesar de ela ter sido derrotada por 23 votos contrários e escassos 11 favoráveis na Comissão Especial criada para debatê-la e à sua constitucionalidade. À entrada do plenário da Câmara dos Deputados a estátua de bronze de Ulysses Guimarães, em tamanho natural, não se furta de lembrá-lo: a manobra é antirregimental, oportunista, imoral ilegal e só poderia sair da cabeça de um presidente de Parlamento que se curva qual capacho ao chefe do Poder Executivo. O argumento equestre de Arthur Lira – de cavalo xucro, firme-se em tempo – é o de que a proposta será arquivada com o voto da maioria da Casa legislativa e isso não apenas calará o comandante dele, o candidato a autocrata que conspurca a harmonia entre os poderes da República, como também pacificará o ambiente institucional.

            Decidido a obnubilar o horizonte sem nuvens dos agostos brasilienses para surgir como único a portar um farol de milha capaz de iluminar ao longe (em que pese cobrar a quilometragem de uso de tal farol qual um parlamentar de mandato uberizado), o presidente da Câmara vende facilidades e cria dificuldades. Na contabilidade da noite do domingo, 8 de agosto, está certo: o bode do voto impresso, argumento de Bolsonaro ar manter tenso o ambiente e coesas suas tropas milicianas, sairá derrotado do bate-chapa em plenário. Mas, e se a proposta de voto impresso tiver menos de 200 votos? Caso o placar seja esse, e não é impossível que isso ocorra, Arthur Lira e Jair Bolsonaro terão um novo e imenso problema em seus colos agrestes e escamosos.

            Deitado num confortável colchão de 127 pedidos de impeachment os quais não despacha nem para que avancem, nem para que sejam arquivados, porque deles emanam as bandeiradas do taxímetro que o conecta ao Palácio do Planalto, Lira argumenta que processos de impedimento do presidente da República não encontram eco na Câmara. Se isso é verdade, a tese do voto impresso a partir da qual Bolsonaro incendiou o País, terá mais de 200 votos, talvez próximo a 260. Placar inútil para fazê-la tramitar, daria enfim o argumento decisivo para que se comece a virar a página com todos fingindo que o debate teria enobrecido a Democracia – o que é mentira, mas, seria vendido como verdade. Vendido, note-se bem.

Entretanto, e se a estapafúrdia proposta de imprimir voto eletrônicos e pôr o Brasil na vanguarda do atraso dos processos eleitorais tiver menos de 200 votos? Isso significaria em tese que, faltando 29 votos, ou menos, para o número cabalístico de 171 apoiadores incondicionais necessários a qualquer presidente que deseje escapar de um impeachment, Bolsonaro estará em péssimos lençóis. Pior que isso: ver-se-á enrolado nas cobertas incendiárias deitado de conchinha com Arthur Lira. Cada movimento milimétrico para fugir da autocombustão terá um preço estratosférico – tipo assim, tarifa de gás de cozinha ou de litro de gasolina em bomba de posto nesses tempos de hiperinflação bolsonarista.

Revelando o tamanho da base de Bolsonaro na Câmara dos Deputados depois da conflagração total com as instituições, com a Avenida Faria Lima e com a mídia tradicional que estavam obsequiosamente genuflexos e calados ante os evidentes arreganhos da Besta em seus cascos trôpegos, a pro-atividade de Arthur Lira ao levar a plenário o que já foi derrotado e comissão será a cunha definitiva para impedir o fechamento da janela do 5º patamar do inferno bolsonarista. A atitude do uber-deputado que preside a Câmara tende a ser uma idiotice excessivamente cara para Bolsonaro e, paradoxalmente, útil para todos nós que exigimos impeachment, já.

LUÍS COSTA PINTO

LUÍS COSTA PINTO

Luís Costa Pinto, 52. Jornalista profissional desde 1990. Começou como estagiário no Jornal do Commercio, do Recife. Foi repórter-especial, editor, editor-executivo e chefe de sucursal (Recife e Brasília) de publicações como Veja, Época, Folha de S Paulo, O Globo e Correio Braziliense. Saiu das redações em agosto de 2002 para se dedicar a atividades de consultoria e análise política. Recebeu os prêmios Líbero Badaró e Esso de Jornalismo em 1992. Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 1993. Diversos prêmios "Abril" de reportagem. É autor dos livros "Os Fantasmas da Casa da Dinda", "As Duas Mortes de PC Farias" e "Trapaça - Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro" que já tem dois volumes lançados e o volume 3 está em fase de edição.

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