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Caixa tenta interferir em investimentos da Funcef e troca diretoria após resistência

Anne Warth e Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – A Caixa decidiu trocar três diretores da Funcef, fundo de pensão dos funcionários do banco, entre eles o diretor-presidente, Renato Villela, e os responsáveis pela área de investimentos. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a mudança teria sido motivada por insubordinação ao presidente da Caixa, Pedro Guimarães, que queria ter mais poder sobre a alocação de recursos do fundo, que é um dos maiores do País e tem patrimônio superior a R$ 80 bilhões.  

A Caixa nega que essa seja a motivação para as trocas no fundo. Mas, nos bastidores, a recusa da Fundação dos Economiários Federais (Funcef) em participar da oferta pública inicial de ações (IPO) da Caixa Seguridade, operação realizada no fim de abril, é apontada como gota d’água para a troca de comando. O ingresso do fundo de pensão poderia elevar o preço da oferta (que acabou ficando em R$ 9,67 por ação, valor muito próximo do piso da faixa indicativa, que ia de R$ 9,33 a R$ 12,67) e, consequentemente, os ganhos do banco. Procurada, a Funcef não quis se manifestar sobre o episódio envolvendo o IPO.

Oficialmente, a troca do comando do fundo tem sido tratada como uma mudança normal de ciclo. No entanto, tem causado estranheza o fato de dois dos diretores substituídos terem sido empossados em setembro de 2020, ou seja, há apenas oito meses.

Dentro da Caixa, havia reclamações sobre supostos problemas de governança no fundo e ainda uma cobrança por retornos mais elevados – embora a Funcef tenha registrado superávit consolidado de R$ 2,6 bilhões em 2020, com rentabilidade de investimentos de 13,78%, acima da meta atuarial de 10,19%.

Nas últimas semanas, também circularam na Caixa críticas sobre como os diretores do fundo lidaram com o déficit de R$ 25 bilhões deixado como “legado” do período entre 2013 e 2017, quando o uso político dos recursos do fundo em investimentos duvidosos levou a perdas significativas.

Desde as mudanças, nenhum dos destituídos falou publicamente sobre as razões da troca de comando no fundo, mas Villela publicou em uma rede social profissional uma mensagem em que ressalta justamente o desempenho positivo da Funcef sob sua gestão. “Os números abaixo falam por si. Mas há também ganhos intangíveis em termos de ambiente de trabalho, clima organizacional e reconhecimento pelo mercado”, escreveu. 

Conselho da Vale

A compra de ações da Caixa Seguridade não foi o único pedido de Pedro Guimarães que não foi atendido pela diretoria da Funcef. O Estadão/Broadcast apurou que o presidente da Caixa orientou a fundo, que detém participação acionária relevante na Vale, a votar contra a entrada de Roberto Castello Branco no Conselho de Administração da mineradora na assembleia de acionistas realizada no último dia 3 de maio. O objetivo era o governo se “vingar” do executivo após a saída ruidosa do comando da Petrobrás.

Após o presidente Jair Bolsonaro demitir o presidente da Petrobrás em uma live para agradar os caminhoneiros, o governo ficou incomodado com a postura do executivo, considerada “irônica”. Além de ter rebatido as críticas à política de preços da companhia, Castello Branco apareceu em uma videoconferência com analistas do mercado usando uma camisa de malha com a inscrição “mind the gap” usada em alertas do metrô de Londres para que os clientes se atentem a possíveis quedas.

Apesar do pedido, os representantes da Funcef não votaram contra nem a favor de Castello Branco, que, antes de ser presidente da Petrobrás, atuou por 15 anos como executivo da mineradora. A Funcef optou por se abster na votação da assembleia de acionistas. Sobre a questão relacionada à Vale, a Funcef negou as informações, e a mineradora não quis se manifestar.

Segundo apurou a reportagem, Villela, que está na Funcef desde 2016 (e desde fevereiro de 2019 como presidente), será substituído pelo atual vice-presidente de Riscos da Caixa, Gilson Costa de Santana. Ele é empregado da Caixa desde 2007 e também já atuou como gerente de Previdência na Funcef.

Também foram substituídos os atuais diretores de Investimentos, Andrea Morata Videira, e de Participações Societárias e Imobiliárias, Wagner Duduch. Ambos haviam assumido em setembro de 2020. 

Impasse com o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, também teria motivado as demissões. Foto: José Dias/PR

Os novos indicados da Caixa para esses postos serão Almir Alves Júnior, hoje diretor-executivo na Caixa Participações, e Samuel Crespi, que atua como diretor-executivo de Produtos e Serviços de Atacado no banco. Alves Junior ingressou na Caixa em janeiro de 2019, na gestão de Pedro Guimarães. Antes, foi oficial da Marinha. Crespi, por sua vez, é empregado da Caixa desde 2001.

O Estadão/Broadcast tentou contato com os executivos que deixaram o cargo, mas não obteve resposta. Em nota, a Caixa informou que as mudanças foram realizadas pelo Conselho de Administração do banco, composto por membros independentes, e validadas pelo Conselho Deliberativo da Fundação.

“Ademais, processos de troca no ‘management’ são frequentes no mercado, visando o incremento de resultados diante dos cenários dinâmicos que se apresentam. Vale ressaltar que o banco tem como premissas a meritocracia e a qualificação técnica, pilares respeitados em todas as designações a cargos no Conglomerado Caixa”, disse o banco.

Perfil da carteira

Segundo apurou a reportagem, o presidente da Caixa buscou o ingresso da Funcef no IPO da Caixa Seguridade sob o argumento de que o negócio se encaixava na mudança de perfil da carteira almejada pelo fundo de pensão.

No ano passado, os investimentos foram concentrados em renda fixa, com 56,3%, enquanto a renda variável atingiu 30,2%, e os investimentos imobiliários, 7,4%. Para os próximos anos, porém, a política de investimentos da Funcef prevê uma inversão, com aumento do risco e prioridade para renda variável, fundos imobiliários e investimentos no exterior.

Para o Novo Plano, dos funcionários mais novos, a meta é reduzir a renda fixa para 49,1% e ampliar a renda variável para 33,7% neste ano. Para 2025, a renda variável deve ficar com 36,3%, superando a renda fixa, com 35,6%. Já para o REB, plano dos empregados mais antigos da Caixa, a tendência é ainda mais acentuada. O objetivo é reduzir a parcela alocada na renda fixa de 33,2% em 2021 para 24,3% em 2025. A renda variável deve subir de 43,7% neste ano para 49,3% em 2025.

A avaliação era de que a entrada da Funcef no IPO da Caixa Seguridade poderia elevar a precificação das ações além dos R$ 9,67 por ação conseguidos. A operação movimentou R$ 5 bilhões e rendeu R$ 3,4 bilhões em ganho bruto para a Caixa. A diretoria do fundo, porém, não embarcou no negócio.

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