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Bolsonaro ainda em cena é mera distração para a esquerda. Lula deve usar o recesso do Congresso para corrigir rotas do governo

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

por Luís Costa Pinto
Até aqui, pouco mais de um ano e meio depois daquela consagradora e alvissareira cerimônia de posse para seu terceiro mandato presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva lidera um governo de reconstrução nacional melhor que o previsto e aquém da necessidade de coleta de resultados imediatos a fim de bloquear a tentativa de regresso da extrema direita fascista e corrupta ao poder.
As duas semanas de breve recesso parlamentar, quando Brasília se vê livre das romarias de pedintes públicos, privados, corporativos e sindicais, e escuta o silêncio do balcão de negócios em que se converteram gabinetes e comissões da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, é período curto e suficiente para a consumação de necessárias (e, talvez, já tardias) alterações de rota e de equipe na Esplanada dos Ministérios e no planejamento de ações a serem empreendidas nos partidos da ampla e heterogênea aliança governista.
GESTÃO ‘LULA 3’ É BOA, MAS É LENTA
As previsões pessimistas haviam sido feitas pré-posse e pós 8 de janeiro de 2023, ante o estado de penúria e aviltamento da máquina pública e a esculhambação administrativa generalizada herdadas do interregno trágico em que Michel Temer e Jair Bolsonaro ocuparam a presidência da República.
Tem sido árdua a tarefa de recolocar o país nos trilhos restaurando políticas públicas bem-sucedidas do passado recente – herança do breve período de reerguimento nacional experimentado nos 23 anos transcorridos entre a ascensão de Itamar Franco como presidente depois do impeachment de Fernando Collor, que uniu o Brasil, e a deposição de Dilma Rousseff em 2016, no impeachment sem crime de responsabilidade que dividiu os brasileiros e naturalizou o ódio como discurso político. Entretanto, contrariando os grasnados dos corvos, as coisas estão andando e as brumas que empatavam a visão do horizonte vão dissolvendo no ar. Ainda assim, Lula e o PT não têm imagem consolidada como favoritos à permanência na proa do poder depois das eleições gerais de 2026. O cenário às vésperas das campanhas municipais de 2024 ajuda a explicar o prognóstico pessimista para a centro-esquerda.
ESQUERDA NÃO SOUBE EFETIVAR RENOVAÇÃO
O PT, e praticamente todas as siglas de seu espectro ideológico que estiveram associadas a ele na resistência democrática entre 2016 e 2022, viram as lideranças envelhecerem e os discursos perderem tração e capilaridade. A exceção foi o PSOL, legenda com bom número de jovens deputadas e deputados despontando como vozes combativas no Parlamento e que consolida presença no Movimento Estudantil e em instituições da Sociedade Civil – seja no depauperado meio sindical, seja nos órgãos acadêmicos ou mesmo em entidades de classe. A direita, sobretudo falanges extremistas proto-fascistas abrigadas em partidos ou em arremedos de siglas (como o mbl, por exemplo) que deram suporte à Era da Destruição de Bolsonaro, é o vértice antagônico na sociedade e, espantosamente, ganha jardas na corrida pela conquista de visibilidade e postos eletivos comunitários na sociedade. À esquerda, além do PSOL, apenas o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) se mobiliza com organização, método e pragmatismo para renovar lideranças, lançá-las na luta política e bloquear o avanço do extremismo obscurantista.
Abaixo das ruínas deixadas pela Lava Jato e pelo furacão devastador e destrutivo que foi Bolsonaro estava soterrada toda uma geração de lideranças políticas do centro à esquerda: foi dizimada pelas mentiras, pelo ódio e pelos ardis do lavajatismo e da reinserção ilegítima de militares despreparados, toscos e vis na disputa por espaços de condução de poder dentro das instituições republicanas. A dimensão singular de Lula revelou-se capaz de abrir caminho para o resgate. Contudo, era mero sopro vital. São escassos o fôlego e o tempo para a restauração dessa geração interrompida. A falta de oxigenação dentro do Partido dos Trabalhadores bloqueia a renovação – o mesmo se repete em diversas outras legendas da nuvem de centro-esquerda.
O PDT afoga-se num mar de lama biliar proveniente dos maus bofes recalcados de Ciro Gomes. No PSB, a já provecta e caquética entourage do comando partidário, linha auxiliar dos líderes socialistas de Pernambuco, Miguel Arraes e Eduardo Campos, agarra-se na jovialidade midiática (e, muitas vezes, vazia) do prefeito do Recife, neto de Arraes e filho de Campos, para sobreviver. Isso não é renovação, é desespero. Há maturidade e astúcia nos ex-governadores paulistas Márcio França e Geraldo Alckmin para bloquear os ardis muitas vezes desmiolados nos quais se mete João Campos. Eles precisam assumir de fato o controle do PSB. Já no PSOL, que sabe se renovar e oxigena as engrenagens partidárias, aquele que despontou como grande candidato a herdeiro da singularidade acachapante e agregadora de Lula, o deputado Guilherme Boulos, navega à deriva pelos rios Pinheiros e Tietê.
A leveza novidadeira das ideias de Boulos, o entusiasmo genuíno de seu discurso e o credo legítimo dele nas possibilidades de construção de uma sociedade mais solidária em busca de melhor distribuição de renda e de oportunidades e na construção de uma urbe mais inclusiva batem nos paredões de concreto que encaixotam a fria e quase desumana cidade de São Paulo. Ele errou ao não investir na estruturação de uma biografia parlamentar, em 2023, que o transformasse no maior nome da esquerda brasileira – para quem a vitória na eleição municipal paulistana fosse uma imposição do destino. Converteu-se num deputado mediano, perdeu discurso político e corre risco real de não vencer um pleito definidor (não definitivo, claro).
DIREITA É EFICAZ NA RENOVAÇÃO GERACIONAL
À margem de todo esse rio que corre do centro à esquerda, lambuzada pelo lixo tóxico e corrosivo que produziu quando esteve no poder, a extrema-direita conduzida pelas diatribes acanalhadas de um Jair Bolsonaro ainda livre e faceiro (mesmo que ele não saiba o que isso significa) avança desmiolada. Só não sabe para onde. A choldra desconhece o rumo para o qual está sendo conduzida. Mas, quem sobressai na condução do caos sabe exatamente o que quer. Não é razoável acreditar, ainda, na manutenção de Bolsonaro como criatura elegível ou politicamente viável. Não é, não será, não terá seu nome nas urnas de 2026: os processos que levarão o ex-presidente (e talvez algum de seus filhos, certamente uns ex-ministros e ex-assessores dele também) à cadeia andam lenta, gradual e seguramente nos escaninhos do Supremo Tribunal Federal, da Procuradoria Geral da República e da Polícia Federal. Assentam-se em bases sólidas e provas fartas. Porém, tudo está mais lento do que recomenda a prudência de quem conhece os meandros da política.
A cana que espera os comandantes da Era da Destruição será brava, soberba e longa. Bolsonaro está liquidado. Mas, o bolsonarismo encontrará válvulas de escape para sobreviver. No momento, o maior risco que correm os antagonistas dos trágicos e caóticos destruidores do Brasil é a associação do bolsonarismo à direita democrática que parecia ter sido abduzida por eles e transformada em miragem espectral: não foi.
Ao contrário da centro-esquerda, a centro-direita brasileira sobreviveu à mixórdia de ideias desconexas, violências gratuitas, arroubos de cretinice e usinas de ódio e desinformação do bolsonarismo. Entre eles, houve renovação e troca de peças geracionais no seio das famílias forjadas nas disputas eleitorais dos anos 1980-2020. Há “nepobabies” na direita e, na média, eles são qualitativamente melhores que seus progenitores.
Agarrada aos métodos ousados, às vezes ilegais, por vezes inconstitucionais de Arthur Lira; associada ao pragmatismo argentário da Faria Lima, da Avenida Paulista e dos lordes arruinados de um Rio de Janeiro, que insistem em não morrer, e dos ativos barões do eficiente agronegócio brasileiro; e também encantados com a consistência de gelatina das convicções de Rodrigo Pacheco, o jurista de quermesse que preside o Senado, há uma direita florescente na cena política e ela prescinde de Bolsonaro. É o bolsonarismo que precisará dela em 2026 para disputar com o PT – e a esquerda está passando de forma ingênua por esse fotograma do filme que está em cena em Brasília.
HÁ URGÊNCIA NA AÇÃO: OU AGE JÁ, OU ESQUERDA PERDE
É preciso que Lula, o PT e a esquerda enxerguem, de imediato, que Bolsonaro perdeu o papel de protagonista e passou a ser mero coadjuvante do curta-metragem ora exibido como distração para o grande filme que estará em tela em 2026. Os roteiristas estão em cena, a designação do ator principal d’A Grande Luta (Muhammad Ali x George Foreman, 1974) no campo da direita está em debate e três nomes sobressaem: Tarcísio Freitas, Ronaldo Caiado e Roberto Campos Neto. Uma mulher corre por fora, Tereza Cristina, senadora. Enquanto os adversários não dormem; ao contrário, correm pragmáticos; a centro-esquerda segue entretida com suas próprias idiossincrasias e divisões pueris.
O presidente Lula, o PT, os partidos da Frente Ampla e a união de democratas têm até o dia 31 de julho, quando acaba esse breve recesso parlamentar, para passarem a ver a vida como ela é na política brasileira. Em cena, os andrajos de Bolsonaro e o bolsonarismo imerso no lodaçal de seu líder são meras distrações e a esquerda não está autorizada a seguir ingênua e francamente na direção do cadafalso eleitoral.
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