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“Afasia estatística” é vírus inédito de 2022 e pode explicar divergências entre pesquisas

Levantamentos de intenção de voto não captam a energia explosiva acumulada sob a crosta apodrecida, vilipendiada e violenta do Brasil bolsonarista. Dia 2, no 1º turno, um País renovado emergirá

Por Luís Costa Pinto

O DataFolha, empresa de pesquisa vinculada ao jornal Folha de S Paulo, relata que durante o trabalho de coleta de entrevistas para o levantamento com maior número de questionários levados em conta em sua base – 5.926 eleitores contabilizados e estratificados entre os dias 13 e 15 de setembro de 2022 – ocorreram diversos episódios de violência contra os 470 grupos de pesquisadores.

Em 10 desses episódios, o que é estatisticamente elevado dentro do universo em tela, os profissionais contratados tiveram de abandonar os locais onde executavam os levantamentos. Em todos os casos – assevere-se: todos! – eleitores de Jair Bolsonaro tentaram intimidar os pesquisadores, impedir a execução das entrevistas ou atrapalhar de alguma forma a coleta precisa dos dados pelo DataFolha. Quando eventos assim ocorrem no curso do levantamento de campo, todas as entrevistas do pesquisador atacado têm de ser descartadas. Em consequência, a totalização atrasa e, intimidados, os pesquisadores deixam de coletar dados em um núcleo específico que poderia significar a aferição mais precisa de eleitores justamente daquele candidato por quem os intimidadores têm simpatia ou idolatria (no caso, Bolsonaro, candidato à reeleição).

Para atender a uma correta determinação do Tribunal Superior Eleitoral, as pesquisas de intenção de voto realizadas em anos eleitorais têm de ser registradas na Corte. Isso garante um filtro de qualidade mínimo aos levantamentos. Eles têm, também, de executar a estratificação social e econômica de seus dados com base nas informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

No plano ideal, essa estratificação se dá a partir dos dados coletados nos recenseamentos que eram feitos a cada década. Como não houve Censo em 2020 por causa da pandemia por coronavírus Covid-19, nem em 2021 porque o governo Bolsonaro quis economizar verbas públicas essenciais para promover o toma-lá-dá-cá com o orçamento secreto do “centrão” no Congresso, a base que se usa é o Censo de 2010 – e ele está evidentemente defasado.

Alternativamente e sem consulta prévia ao TSE, algumas empresas de pesquisa usam dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicílios), também do IBGE, coletados entre 2020 e 2021. A PNAD não tem a precisão do recenseamento. É por amostragem, como diz o próprio nome. As faixas de renda em que os brasileiros estão sendo enquadrados, na maioria das pesquisas, remonta a 2010 – e há aí uma clara defasagem. Tal defasagem muda significativamente a base da pirâmide social brasileira, alterando sobremaneira as faixas de quem tem renda familiar abaixo de dois salários mínimos (nessa faixa, os eleitores são majoritariamente de oposição; de Lula).

A “afasia estatística” de 2022 atinge tanto as pesquisas presenciais, face a face, quanto as telefônicas e tende a distorcer dados a favor de Bolsonaro na tabulação dos resultados. Ressalte-se: não há nenhuma interferência, culpa ou responsabilidade das empresas em tal distorção – é apenas um dado da realidade decorrente da ausência de recenseamento nos últimos 12 anos.

Há quatro meses entrou em vigor a lei que obriga as operadoras de call centers a aporem o prefixo “3030” nos números disparados por eles no processo de captura de potenciais clientes dispostos a escutarem seus apelos diversos. Algumas empresas de pesquisa que fazem levantamentos telefônicos usam call centers para disparar suas ligações. A salutar “lei do 3030” melhora um pouco a vida dos clientes de empresas de telefonia. Contudo, obriga algumas empresas de pesquisa a multiplicarem as ligações para serem atendidos. Em não raras vezes, nichos geográficos, geoeconômicos etc. não permitem que se obtenha uma amostra minimamente precisa para executar o melhor corte por estratificação – comprometendo claramente os resultados.

O recrudescimento do discurso de ódio promovido pelo atual presidente, Jair Bolsonaro, e pelos seguidores como os filhos que respondem a diversos processos por corrupção e políticos de baixa envergadura como o deputado estadual paulista Douglas Garcia, que teve a ousadia de atacar uma jornalista no fim de um debate entre candidatos a governador de São Paulo, obriga ainda a lançar luz sobre outro fenômeno responsável por desvios estatísticos que podem afastar as pesquisas pré-eleitorais dos melhores padrões de desempenho: o medo de estar sob vigilância.

Ao atender ligações de uma empresa que opera ligações e levantamentos exclusivamente por gravação e colhe respostas digitadas no teclado, por exemplo, uma eleitora ou eleitor pode desconfiar da veracidade dos propósitos da pesquisa. Pode se sentir stalkeada ou stalkeado pelo patrão, pelo chefe, por lideranças de opinião de sua comunidade, por parentes, por amigos. Atenção: esta é uma especulação, uma hipótese. Mas, ela não está distante da realidade comportamental rotineira das pessoas que vivem num país onde 70% das cidadãs e dos cidadãos confessam (DataFolha, pesquisa divulgada dia 15/09) ter medo de sofrer algum tipo de violência política.

Deixar de colocar um adesivo no vidro do carro externando apoio ao candidato “L”, ou “S”, ou “C” com medo de suscitar os espíritos mais brutalmente toscos dos apoiadores de “B” é uma violência. Em quaisquer das metrópoles brasileiras – de São Paulo a Recife; do Rio e Belo Horizonte a Salvador ou Porto Alegre – esta é a campanha eleitoral com o menor número de carros adesivados da História.

Com medo, sem paciência para se expor a brigas novas e novos inimigos – bastam-lhe os contenciosos atuais e os antagonistas conhecidos – o eleitor tende (em alguma medida) a responder aquilo que irá lhe causar menos problemas de acordo com a sua avaliação de momento; e não aquilo que ele efetivamente fará ao digitar o número do candidato de sua preferência na urna eletrônica. Esta nova “afasia estatística”, decorrente dos tempos tenebrosos e violentos que vivemos em razão do comportamento antissocial e de verdadeiro sociopata de Bolsonaro, que detém o poder formal, favorece hipoteticamente (estado certa a premissa) o incumbente candidato à reeleição na tabulação final de tais levantamentos de intenção de voto.

Em síntese:

A combinação desses quatro fatores elencados permite traçar explicações razoáveis para a disparidade de resultados de pesquisas de intenção e voto entre empresas diferentes. A incidência de todos eles, juntos, na cena política atual, tende a favorecer mais Jair Bolsonaro do que Lula, o favorito na disputa. Apenas a recusa dos bolsonaristas em responder a questionários da empresa DataFolha, por exemplo, impacta positivamente o ex-presidente da República que é candidato do PT a voltar à presidência para um 3º mandato e tem até aqui, ao menos estatisticamente e por meio da análise dos índices de intenção de voto ora apresentados, chances de vencer em 1º turno. O clima de beligerância política imposto ao País nos últimos quatro anos, de inimizade incontornável com o voto e o descarte previamente anunciado por Bolsonaro de que não aceitará resultado adverso é o responsável pela “afasia estatística” de 2022.

Os que sonhamos com a restauração e a reconciliação do Brasil esperamos que, uma vez contabilizadas todas as possibilidades de erro potenciais, as pesquisas estejam mais do que certas: revelem-se sutilmente encabuladas de liberar o vulcão de energia reparadora que será uma vitória incontestável da oposição, de Lula com Geraldo Alckmin de vice, aliados a divergentes do passado recente, como Marina Silva, Guilherme Boulos, Cristóvam Buarque, já no 1º turno.